F. Pereira da Nóbrega |
Jornal Correio da Paraíba, Sexta-feira, 22 de novembro de 2002.
Crise ética
Está acontecendo de tudo. Uma rouba o filho alheio. Outra mata os próprios pais.
Há, sim, responsabilidade pessoal nisso. Mas quando os fenômenos se tornam coletivos, o individual é
explicação ainda verdadeira mas já insuficiente, até que se some a outras causas.
As ciências da Evolução não sabem explicar certas ondas de mutações no fenômeno da Vida. Quando
peixes começaram a ser anfíbios, isso ocorreu ao mesmo tempo em todos os mares. Houve mutação onde
houve Vida, não apenas numa determinada espécie animal. Assim também ocorreu quando anfíbios se
fizeram répteis, quando répteis se fizeram mamíferos. Isso ocorreu uma sói vez e nunca mais. Cada vez que
a Evolução deu um passo à frente, cessou, ate hoje, em todos os níveis inferiores.
Eu disse que não se achou essa força de mutações coletivas. Mas se achou a outra, coletiva também,
que faz se matar o próprio pai, roubar o filho alheio. Cada civilização é uma constelação de valores,
interligados. É a predominante visão do mundo e da vida em certo momento da História. Quando uma
civilização começa a se dissolver, abrir espaço para outra que surge, visão do mundo e valores de vida
começam a mudar.
Os humanos passam, uns pelos outros, de fronte franzida. É a interrogação inscrita na testa. Sabem o
que não é. O que é, ignoram. Sabem de onde vão saindo. Para onde vão indo não sabem. Vivemos igual
mutação na dita Civilização Ocidental. Humanos deixaram de ser peixes nas águas de uma cosmovisão
coletiva, começada nas idéias de uma religião comum, terminando nos valores que sustentavam a família.
Deixaram de ser peixes, começaram a ser anfíbios, com duas vidas, duas morais.
Experimentam essa duplicidade do viver sem princípios sólidos, de fins justificando os meios, abstêmios
de dieta moral. O valor social supremo, ditando lógica e comportamento, é o lucro. Historiadores do futuro
um dia escreverão que, com a Revolução Industrial, se inaugurou nova Civilização. Aí começou uma coletiva
mutação de valores.
Tal Revolução não parou. Foi primeiro mecânica, depois elétrica, eletrônica, robótica, informática. Cada
passo pôs na mente ocidental novas condutas e novas interrogações. É humano agarrar-se ao status quo
como padrão de tranqüilidade. A insegurança chega quando saímos do conhecido e caminhamos para o
ignorado.
Nesse momento, não admira que uma roube o filho alheio, outra mate seu pai e nós estranhemos
ambas. É transição. A sociedade ora se pergunta o que é certo ou errado.