Projeto DOSVOX F. Pereira Nóbrega







Jornal Correio da Paraíba, Domingo, 20 de Outubro de 2002.


Quando palavra é crime




    Pensam os simples que crime necessariamente envolve mãos, pés, gestos, talvez o corpo todo. Assim pensam de tanto ouvirem ser crime roubar, matar. O dicionário que nunca se escreveu, do falar do povo, não tem o crime da palavra porque lhe parece que todos temos direito de dizer tudo.


    Mas há delinqüência verbal. Se violar a propriedade alheia, é comum o consenso de que algo errado houve e deve ser punido. Na cultura sertaneja é o furto - ao menos era - um dos mais vergonhosos crimes. Mas o patrimônio de bens de um homem vai além do ter, envolve o ser sobretudo.


    Não possuímos coisas apenas, também honradez, credibilidade, vergonha, caráter. E mais perdemos quando caluniados do que quando roubados. Ainda é possível se recomeçar a vida, a partir da pobreza. Quando a sociedade não mais crê em nós, rejeição tamanha nos aconselha mudar de nome, desaparecer.


    Veja um só exemplo. Serra insinuou - em suas propagandas de destruição de um, mais que de construção de todos - que é possível haver ligações entre Lula e as Farcs - aqueles grupos guerrilheiros a serviço da droga na Colômbia.


    Serviços de inteligência, vigilância antidrogas, mesmo internacionais, jamais detectaram Lula ou PT envolvidos em tais crimes. Se esses órgãos ignoram, Serra só saberia mais do que eles, se fosse íntimo das Facs para guardar segredos tamanhos.


    Não é paixão política nenhuma se declarar que Serra é criminoso e seu crime se chama delinqüência verbal. Lançou mão do alheio, pior do que no furto, dilapidando alguma honradez sem provas para tanto.


    Isso deve ser irrelevante para quem preferiu relegar sua consciência a segundo plano e não ter mais escrúpulos de meios, se justificam seus fins. Como deve ser irrelevante para aquela mão, até hoje desconhecida, que grampeou Lula, Ciro, Garotinho - só Serra não quis grampear - nessa campanha eleitoral.


    O homem não é o que tem. É o que faz. Roubar é agredir o ter. Caluniar, agredir o ser, é de algum modo matar. Os que mudaram de nome para sobreviverem, mortos sociais que se fizeram por seus próprios delitos, ainda pagam pelo que devem. Quando o crime de um homem é ter 65% do eleitorado que o outro inveja, a calúnia que pretende alvejá-lo mais atinge o povo que seu candidato.


Envie carta para Vinícius

Logotipo do NCE Copyright (c) 2000 - Núcleo de Computação Eletrônica - Projeto DOSVOX
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Conectada à INTERNET através da RedeRio de computadores
Fale com o Webmaster