F. Pereira da Nóbrega |
Crianças proibidas
No século passado encontraram a criança que se perdera há milênios atrás. Dormia. Digamos que
dormia. Sobretudo das crianças digamos assim: adormecem, não falecem. A criança era Tutankamon,
egípcio, de 12 anos, filho dos deuses. Digo: de dinastia faraônica. Era príncipe, esperando a hora de ser
faraó também.
Viveu às margens do Nilo, entre glórias e proibições. Teve adoradores, esperando o dia de ser faraó
também. O principal não lhe era ser rei, era ser criança. A nobreza a afastou das outras. Com elas não
correu descalça, não contou os camelos que passavam no horizonte dos desertos. De noite, não contou,
nas águas do Nilo as estrelas do céu.
As nossas também não estão sendo crianças. Têm a infância vigiada pelo medo. “Cuidado com o ladrão”
- e elas correm para dentro de casa. “Cuidado com o tarado” - e nem na janela aparecem mais. As ricas
temem o seqüestro. As pobres temem a fome.
Para as crianças de nossos dias, a tristeza vem não apenas das pessoas temidas, também das coisas
impossíveis. Nas vitrines desejam brinquedos. Para milhões delas, brinquedos eletrônicos, só roubados. Os
carros andam sozinhos. As bonecas fecham os olhos, choram. Nenhuma criança verá tudo isso sem
desesperar de vontade de possuir. Nesta idade, tudo o que entra pelos olhos planta amor no coração.
À noite, é proibida a novela. Crianças não podiam assistir à das oito. Depois, nem a das sete. Depois
ainda, nem a das seis. Não importa o horário, a tv noturna avançou o sinal da inocência respeitável.
Transferiu aos pais a odiosidade do proibir. Some todas essas negações aos dias de uma infância e me diga
se algo restou para ser comemorado.
É então que me lembro de Tutankamon, adormecido há milênios atrás. Se voltasse a nossos jardins de
infância, diria às crianças de hoje que nem vale a pena ser príncipe ou faraó. O melhor da vida é curtir a
infância. E nossas crianças lhe responderiam:
- Não, a vida se fez insuportável, na infância sobretudo. O melhor é adormecer príncipe e apenas sonhar
com a felicidade infantil que o mundo não mais tem para dar.