Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega



Consulado do Nordeste

O nordestino emigrou. Foi tentar a vida em SP, depois na zona rural do Paraná. Ficou abismado com aquela gente, seu padrão de vida, saúde. Escola havia até no campo, luz elétrica, posto de saúde. As crianças falavam duas línguas: a portuguesa, aprendida na escola, e uma estrangeira, aprendida no lar. Era zona de imigrantes: italianos, japoneses, alemães.

O nordestino procurou os colonos e falou de sua terra: seca, gente morrendo de fome, mulher gestante trabalhando nas frentes de emergência. Falou das 50 crianças diariamente abandonadas pelos pais, em Fortaleza, quando da última seca. Contou como se caçam ratos para se matar a fome de mistura com alguma espécie de cactus. Os olhos japoneses, oblíquos, ficaram esbugalhados de pasmo. O imigrante alemão cochichou ao outro: só pode ser mentira.

O nordestino falou mais ainda.. Uma vez, foram 5 anos consecutivos de seca. Pedro II visitou o Nordeste na seca e chorou. Médici também visitou, também chorou. Mas chuva de olhos não irriga o sertão.

- Isso aqui até parece um outro mundo. Como é que vocês conseguiram tudo isso:

Os imigrantes contaram. Houve contatos prévios entre Governos. Não viriam de qualquer maneira. A nação de cada um estabeleceu condições: o imigrante tinha que ter um pedaço de terra, seu, herdável pelos descendentes. Tinham que ter arado, estrada, assistência médica, escola. O nordestino ainda retrucou

- Mas, lá nas bandas da gente eles prometem também isso. Vocês precisam ver nas eleições como é.

E falou mais ainda da escola rural que nunca veio, da ponte caída que caída ficou, do médico que só aparece na ponta de lá da fila do posto de saúde, quando ainda se tem sorte de encontrar lugar na ponta de cá. Contou que tratamento de cárie é luxo. Arriscou nova pergunta

- E vocês aqui... - até parece que o estrangeiro sou eu e o brasileiro são vocês. Que fazem se o Governo falta com a promessa dada?

- Não, não pode faltar – explicou o imigrante. É contrato feito entre dois Governos , assinado e garantido. Se o Governo brasileiro começar a falhar, vem o nosso cônsul, denuncia o contrato feito. Basta ele abrir a boca para se resolver tudo.

E o nordestino, desolado:

- Pois lá, no Nordeste, nosso cônsul nunca aparece.


Envie carta para Vini Jobis

Assine nosso Livro Nosso Mundo - Página Inicial Cantinho Lilás - Página Inicial Assine a Lista de Atualização de "Nosso Mundo"
Clique abaixo para participar da lista Espiritavox