Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

Como vencer sem trabalhar

- F. Pereira Nóbrega

Trabalhar é glória, não é castigo. Se fico apenas nas idéias, não deixo marcas por onde passei. O provérbio chinês receita: plante uma árvore, escreva um livro. Está dizendo: trabalhe, exteriorize o eu, na ação. Duas categorias discordam, do chinês e de mim. Uma, a que pode e não quer. Outra, a que quer e não pode.

Ouvi de muita gente que gostaria de acertar na loteria para não mais trabalhar. É falso pensar. O homem se constrói pelo trabalho. Da humanidade recebi a herança desse esforço milenar. Eu me envergonharia de nela ser parasita. Esse, o ideal dos que - trabalhar? - podem, não querem.

Faz parte de nossa cultura o ideal da vagabundagem. Séculos atrás eram o branco e o negro. Um trabalhava porque era escravo. O outro não, porque era branco. Alegava que seu trabalho era o da mente, não o físico. Repetem hoje o ideal primeiro da burguesia os playboy da vida.

Outros querem, não podem. Porque o desemprego aumentou, empresas faliram, o robô vem aí - querem, não podem. Trabalho - um evita, o outro não acha. Os dois se somam nalgumas práticas do lucro, sem o suor do rosto. Jogam nas loterias, feitas esperança única de multidões. Outra prática são aquelas correntes de cartas. Prometem fortunas sem trabalho. Há pouco recebi uma, com 6 nomes e endereços. Um de SP, 4 de RJ, 1 de JP. O próximo seria o meu, gastando 12 reais para ganhar uns R$300,000,oo.

Eu deveria, a cada um dos 6 acima, mandar 2 reais. Deveria ainda expedir, da carta recebida, 250 cópias, a desconhecidos, amigos, conhecidos, inimigos também. Se eles fazem o mesmo, meu nome vai, sucessivamente figurar em 7, 52, 390, 2.925, 21.937, 164.527 cartas. E eu, a cada passo, exportando ônus mais que importando, ganharia, sucessivamente, R$ 14,oo + 104,oo + 780,oo + 5.850,oo + 43.874,oo + 326.054,oo, somando a fortuna final de R$ 379.768,oo.

Só uma coisa a carta omite: isso é crime contra a economia popular. E dá cadeia. O blefe da proposta é que importaria cada um vantagens mais que ônus. Isso não pode ser verdade de todos. O capital que a carta-corrente faz circular entre os partícipantes não pode enricar todos sem prejudicar ninguém. Apenas se empurra com a barriga a contradição de base e a decepção final..

Diz o vigente modelo econômico: cada nação exporte mais que importe. É possível que a economia mundial tenha se inspirado nessas correntes de cartas. Sim, porque há blefe na proposta. O que nas correntes de cartas não pode ser verdade de todas elas, na economia neoliberal não pode ser de todas as nações. O mais de uma é o menos da outra. Só uma diferença: cadeia para o uso da carta, aplausos mundiais para o modelo econômico que vai destroçar nações.

Por que não há cadeia também para eles?

Quarta-feira, 7/abril/2004


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