F. Pereira da Nóbrega |
Jornal Correio da Paraíba, Quarta-feira, 27 de Novembro de 2002 .
Clonagem
Com a promessa do médico italiano para o primeiro homem clonado, já em janeiro próximo, o assunto
volta ao debate.
Do saber humano, 80% se construiu nestes últimos cem anos. 20% daí para trás, até os dias da
Caverna.
Mas a quem serve o saber científico? Enquanto teoria, ou nos laboratórios, é neutra. Rompe sua
neutralidade quando a empresa compra a patente do descobridor.
A quem estão servindo as bombas atômicas? A quem, o Napalm e produtos outros da guerra química? A
quem, os transplantes de órgãos e cirurgias plásticas que pouquíssimos conseguem bancar? A quem as
salas de cinema onde bem mais da metade dos humanos jamais entrará?
Agora, com descobertas previsíveis, se sabe o que é possível . Falta se achar o "como”, para se chegar
lá. Assim foi com a bomba atômica. O nome veio antes dela. Sabia-se do poder destruidor do átomo, se
desagregado. Apenas não se sabia “como” desagregá-lo. Outro bebê das invenções humanas, tinha nome
até ontem, antes do nascimento. A imprensa do mundo inteiro enfim gritou: clonagem!
Afinal, se gerou um ser vivo igualzinho a outro pré-existente. O segundo passo é igualmente possível: o
cientista programar o ser humano antes de ele nascer. Programe, por exemplo, uma para ser prostituta,
com indômita necessidade sexual e realização em ser exatamente isto.
Pode programar o servil, incapaz do protesto. É escravidão, não social, a biológica - aquela que
nenhuma Constituição impedirá porque está na outra - na constituição genética. Só a morte a extinguirá.
Assim já é nos apiários. Uma abelha, dita rainha, geneticamente constituída, só sabe fazer uma coisa:
procriar. Há um zangão que outra coisa não faz senão ser o macho dela. E há abelhas servas, realizadas em
buscar insumos e produzir o mel. Nessa sociedade geneticamente desigual, a ordem e a paz resultarão da
escravidão mais radical.
Estamos a dois passos disso. A alucinação do poder, que inebriou Nero, Hitler, só ainda não reduziu a
humanidade a colméias porque, nos dias deles, tal descoberta ainda não se fizera, sequer se imaginara.
Mas os Nero e Hitler de amanhã não resistirão à tentação da dominação genética.
Só há uma esperança para a humanidade ainda ter qualquer esperança: o imperativo da consciência
bem formada.