F. Pereira da Nóbrega |
Civilização do medo
Nasce o sol, me iluminando o medo.
Até parece que a noite não passa. É pesadelo, que vivo, acordado, para ter mais certeza do mal que
virá. Medo, do buraco no céu onde o ozônio se acabou. Ou, no chão, onde o mercúrio garimpa, envenena,
mata. Medo que morra a ave presa, espécie quase extinta, vendida até se extinguir.
Míngua o salário no bolso e a sopa, no fundo do prato. O inadimplente atrasa água, luz, que ameaçam
cortar. Da tuberculose que volta, da dengue que quer voltar, da Aids que avança, promíscua, do câncer que
não se cura, do remédio que é só farinha, - confesso - é medo demais.
E você? Alguém o abraçou e traiu? Tombando, o fez cair? Sorrindo, o fez chorar? Sua casa, fechada,
alguém força, arrebenta, abre? O menino de rua que não teme o crime, teme a Febem, que teme a revolta,
que faz escapar. Adulto vira detento que teme o soldado, que teme o marginal, que não teme os
residentes, teme a própria arma que, por descuido explode, por acaso mata.
Sobe o sol ao zênite do meio dia para mais iluminar temores e percalços.
Por minha vida temo, se a porta esqueci, aberta, se o carro pára no sinal. Se denuncio a droga que
corre. Se a Justiça, errando, pune. Se o médico, errando, mata. Até, se o imóvel que comprei fica no prédio
que racha. Até, se ganhei mas não levo, quando o consórcio não tem carro que dizia ter para entregar.
Relembre um pouco do passado. Você viu por aí quem matou Andreza, Maria Helena, Márcia? Se
ninguém as matou, então se encantaram. E meus dois encantos, filhas minhas, se você as vir por aí, por
favor, proteja ambas, que protejo as suas, enquanto o risco durar. Também, sob as pontes de Paris, no frio
abaixo de zero, mendigos juntam seus corpos, deles trocam o calor que resta, para ainda restar igual a
chance de sobrevivência.
Desce a noite, estrelas sobem. É só a noite passando, sem o medo passar.
É mendigo queimado vivo, jovem estuprando jovem, Governo que desemprega, viúva que sobra da
seca, índio que perde terra, criança que pais espancam, outras, nas ruas, sem pais. O amanhã promete,
nas mãos de cada vez menos, dinheiro cada vez mais. Por tudo isso, também porque o robô vem
desempregando, temo o futuro. Confesso. Temo temer ainda mais.
Francisco Pereira Nóbrega.