Projeto DOSVOX Jornal Correio da Paraíba, Quinta-feira, 5 de Setembro de 2002.


Eu, apátrida





    Dizem-me que pátria é união na mesma língua, povo, cultura, chão que fronteiras guardam. Então, dentro de cada uma, existem pátrias várias. São classes diferenciadas por domínio da língua, usos e costumes, participações na cultura, no ter e no saber. Preconceitos, de raça e outros, as intradividem ainda mais.


    São duas, um dia depois que a guerra dividiu uma? São várias dentro da mesma, se várias são suas línguas ou raças? Duas somam uma, se, a ferro e fogo, anexadas.


    Tudo isso é exterioridade. Mas conta muito para nós, homens da Caverna, no que tange essa Pré-história de sentimentos pátrios. Como nuvens no céu de cada dia, pátrias são nuvens nos céus do hoje. Também elas passam.


    Por vez, se pretendem absolutas, sagradas quase. Por elas se mata, se morre, se diz heróico mentir, trair terceiros, até familiares. São deusas, acima de todas as coisas. Dizia o integralismo: Deus, Pátria, Família. Mas, primeiro o homem, não a Pátria. Ele, fim de tudo, não seja meio para sociedade, pátria, família, nada.


    Então pátria seja o que nos une, não o que nos separa. Divididos, somos exilados, dentro da humanidade. Sei que a pluralizam preconceitos de classe, credo e raça. Assim a retalhamos em pedaços. O homem seja a pátria do homem, sem plurais. Marchamos para uma unidade na interioridade, numa convergência cósmica, universal.


    Quando o sol nascer para todos, quando, de sob as pontes, saírem os ricos de nada, quando a pele não mais nos excluir, quando nos for igual o acesso à cultura que construímos, à língua que falamos, aí começará a única realidade humana, merecedora do nome de pátria.


    Enquanto esse dia não chega, no ninho me sinto um estranho, no Planeta um exilado. Porque uns riem de outros que choram, porque uns só possuem restos, de outros sobrados, porque são poucos os herdeiros do esforço humano, eu, apátrida de hoje, apenas sonho com o dia de amanhã em que a humanidade, de mãos unidas, exclamará:


    Enfim, pátria!


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