F. Pereira da Nóbrega |
Alfabetizar
Não falo da escola particular, de bom nível acadêmico para os de bom nível social. Veja, nesse
Nordeste, sobretudo na favela, a escola pública de 1º grau. A ela tanto se ofereceu, tanto dela se pediu,
que nem sei mais a que serve.
Cada dia lhe chega mais sugestões curriculares: introduzir Educação para o Trânsito, Educação Sexual,
Ecologia, Direitos Humanos. Até Esperanto já se propôs inserir nela.
Nesta capital, tempo houve - hoje não sei - em que nem todo dia a criança da favela comia, mas a
escola municipal obrigava o aluno a língua estrangeira. Da escola saía analfabeto, dizendo às garotas que
passavam: I love you.
Ao final, temos uma escola de semi-analfabetos, com mais de 50% desistentes, ou reprovados, já na 1ª
série. É a multiplicação dos meios na ignorância dos fins. Na periferia, seja a escola primeira para ensinar a
ler, escrever e contar. O mais se lhe acrescente, se esses objetivos não forem relegados.
Para o cidadão, a alfabetização é o supremo evento social que lhe possa ocorrer na vida. Chave da
inserção na cultura, aí começa a superação da marginalidade. No mundo, as condições de ser estão
fortemente ligadas às condições de ler.
Parodiemos Shakespeare: ler ou não ler, eis a questão.
Durante séculos, falava a civilização egípcia a povos de milênios depois. Numa língua morta, de uma
civilização morta, falava através de seus hieróglifos, inscritos em papiros, pirâmides, pedras. Ninguém mais
os entendia.
Banhadas em silêncio de milênios, aos surdos do ontem falavam pedras mudas aos homens do hoje.
Contavam historias de faraós e suas dinastias. Era o passado, gritando ao presente, de medo de se perder
no passado.
Um dia foi encontrada uma pedra, com o mesmo texto em egípcio, grego e latim. Então se decodificou o
antigo egípcio e os mortos nos falaram.
Na primeira escola essa “pedra” é a alfabetização para quem o mundo de hoje continua inacessível,
codificado. No dia em que soletrar, até as pedras começarão a lhe falar.
Ler ou não ler, eis a questão.