Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

Alegria, alegria!

- F. Pereira Nóbrega

Alegria, sim, "porque hoje é carnaval!". Mas nunca poderia ser esta a alegria maior. O hoje e o carnaval não podem ofuscar as razões íntimas de uma alegria perene.

Porque a flor desabrochou, porque alguém acertou na loteria, porque possui o carro zero - por tudo isso e muito mais, temos razões de alegria. Como crianças, que se alegram com pouca coisa, tudo isso é riso fugidio. Em breve a flor murcha, o carro se deprecia, o dinheiro se gasta, o carnaval passou. E ficamos novamente olhando o horizonte de nossas ambições, a nos perguntar se ainda há razões para a alegria de viver.

Há, sim, profundas, no mais íntimo de nosso ser. Criança nenhuma já as conhecia ao nascer. Talvez, por isso, toda ela, nascendo, chora.

Eu existo! E essa é minha maior alegria. A gente se acostuma com tudo: com o extraordinário, o esplêndido, a mais bela das pinturas, a mais emocionante das canções. A alegria que a flor nos sugere pode fugir até antes de ela murchar. Basta nos acostumarmos.

A gente se acostuma também com a existência . E começa a percebê-la banal, rotineira, como a água que se bebe, a folha que cai da árvore. Não é mais extraordinária, não emociona. E contudo, nenhuma razão maior existe para a alegria do que a existência.

Sem ela, não teríamos nenhum dos encantos que cultivamos: o álcool do ébrio, o gol do jogador, a vitória do político , a prostituta do devasso. Nada acontecerá se, primeiro, não acontecer a existência. Toda alegria que nos vem pede que ela seja sua patrona.

Eu existo! Gente, que coisa estupenda! Eu existo!. O mais fácil seria eu nunca ter existido. Porque comecei, não sou eterno, poderia nunca ter existido. Fui produzido, em séries de causas a se perderem de vista na noite dos tempos. Se uma só dessas causas houvesse fracassado, eu não estaria aqui, neste carnaval.

O efeito não existe, se antes não existir a causa. Este ovo, que aqui está, nunca teria existido se antes não houvesse galinha. E a ciência é quem me diz que, para eu nascer, concorreram 1 bilhão e meio de espermas. Qualquer outro que tivesse fecundado aquele óvulo seria outro ser que não eu. Por isso quero alegria. É incrível mas eu existo.


Terça, 24/02/2004


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