ARTUR DA TÁVOLA




       (Gentilmente cedida por Artur da Távola para o


                      Armazem de Sonhos


              e o Sonho Digital )







Conspícuo senhor de cabelos brancos, fico a me perguntar por que me rio tanto e de modo tão cruel das vídeo cacetadas. E respondo
                           para mim mesmo:
                                    Caracteriza-se o riso pelo desvio do fluxo normal das coisas. É
necessária uma cessação momentânea do sentir e do emocionar-se
 (vale dizer, uma inevitável e passageira forma de crueldade)
                  para o estabelecimento do humor.
                                   
Todo desvio de algum fluxo natural, ou aceito socialmente como tal, provoca o riso como forma de denúncia da alteração da norma
    implícita nele (desvio). É o velho caso do senhor todo
ensaboado, emproado, empinado e empoado que escorrega e cai...
 Pode até quebrar a tíbia, mas a gente ri. O desvio do fluxo
  natural (a importância, a posição ereta do homem distinto)
  provoca o riso. Igualmente um fluxo aceito socialmente (um
     bacana não cai...) se alterado de inopino provocará o riso.
                                   
   O fluxo é norma. A alteração do fluxo é, ela também, uma alteração da norma, uma suave ou súbita subversão de tudo o que, por superior e imposto, acaba por dominar. Alterando os fluxos, os humoristas identificam-se com todas as pessoas de certa forma
esmagadas pelo que é imposto por forças outras, alheias às do
                             seu prazer.
                                   
A criança, por exemplo. Sem sequer poder cogitar sobre a razão pela qual um fluxo se impõe, ela tem que se submeter: escovar os dentes; hora de: comer, tomar banho, ir ao colégio, ir à missa;
  tratar bem aos mais velhos; ser amável com a vovó etc. Há, portanto, um fluxo socialmente imposto ao qual a criança “deve” submeter-se gradualmente. Educar-se, para muita gente, é apenas
                                isso.
                                    Quando um humorista desvia o fluxo natural, impõe uma instância
 prazenteira e alegre que rompe o determinismo (vale dizer, a
ditadura) do fluxo. Ele destrói (por momentos) o que inibe, o
    que impede o prazer, o que libera a vida das trágicas
                             obrigações.

O desvio, portanto, do fluxo natural, dá ao humor um caráter de
prazer e rebeldia que devolve por segundos a sensação original
(inaugural? Ancestral?) de bem-estar e ludicidade, a mesma que foi aos poucos sendo interrompida desde o dia em que as mamadas
  da criança começam a ser controladas por algum horário ou
disposição diferente da natural. Ao mesmo tempo em que demole
normas, pessoas ou velhacarias, o riso as transforma em seres
  mais aceitos. É curioso: rir de certa forma perdoa e torna
    aceitável o que é criticável. Derrogar (derrotar?) a norma, o
    estabelecido, o “poder”, sempre implacáveis, faz rir. Até por
certa crueldade inerente a cada pessoa.. Mas ao mesmo tempo, o riso é
 emoliente. Dissolve e favorece o trânsito interno, a assimilação e a
  suave dejeção. Rir debocha, mas, paradoxalmente, perdoa, atenua.




                           Artur da Távola


               Secretário da Cultura do Rio de Janeiro


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