ARTUR DA TÁVOLA |
(Gentilmente cedida por Artur da Távola para o
Armazem de Sonhos
e o Sonho Digital )
O “tudo bem” é uma expressão profundamente brasileira. Somos um
povo pacífico e acomodado. Término do romance, sem dinheiro,
brigou com a família e, após contar a desgraça inteira, diz:
“Mas tudo bem”.
Na verdade, preferimos fingir que não ligamos e secretamente
diluir o que nos chateia ou oprime, a remover o mal sob forma
cirúrgica. Para tal, o “tudo bem” cai como luva. Revela uma
espécie de certeza de que nada é duradouro, tudo acabará
modificado, por mais que a rigidez pareça dominar.
O “tudo bem” possui duas outras leituras que latejam por dentro
de sua significação aparente. São elas: “Não faz mal” e “deixa
comigo que adiante eu dou um jeito”.
“Não faz mal” quer dizer “não importa”, “não há de ser nada”,
“tentaram me atingir mas não conseguiram”. Quer, portanto, dizer:
“Olha, eu não desistirei; estou apenas fingindo que não ligo”.
O “deixa comigo que adiante eu dou um jeito” revela outra
atitude sábia do chamado caráter nacional. Eis sua tradução
detalhada palavra por palavra: “Eu sei que as coisas não duram.
Sei, também, que, enquanto estão quentes, as pessoas se aferram.
Não adianta forçar nessas horas. É esperar a emoção, o impulso,
a vontade e a teimosia passarem e, na medida em que a realidade
tiver atuado sobre elas, diluindo o rigor anterior, então a
gente entra na brecha e vai fazendo do jeito que quiser”.
Na medida, portanto, em que a expressão “tudo bem”, como espelho
da maneira de ser, da psicologia, do caráter e do comportamento
brasileiros, possui essas duas conotações revela algumas características
(e até virtudes) da maneira de ser brasileira; paciência; teimosia;
capacidade de esperar; certeza de que não fará o que não quer fazer;
confiança nos seus próprios métodos; certeza de que a realidade é
sempre complexa e acaba se impondo com a variedade de seus resultados;
convicção de que mexer demais nas coisas acaba atrapalhando; percepção
de que nada é duradouro; de que é necessário criatividade para
impedir as deformações da imposição de qualquer certeza exagerada; fé
no tempo como o grande e lúcido mediador das coisas; falta de pressa; e
certeza na própria decisão. E, também, uma certa capacidade de
perdoar e encontrar desculpas para as coisas e prosseguir. O lado sábio
do brasileiro é enrustido. Por malandragem ele finge não existir.
Que é tudo isso? Uma teoria de acomodação? Do deixa pra depois?
Da alienação? Estarei teorizando sobre o conformismo, uma
característica negativa da nossa maneira de ser?
Se é o que você acha, leitor, então tudo bem, tudo bem: mais
adiante a gente se entende, ou você me entende, ou eu o entendo,
tudo bem, não esquente a cabeça e vá em frente que no fim acaba
dando tudo certo. Brasileiramente. Ainda bem; isto é,
tudo bem. Tudo bem?
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro