ARTUR DA TÁVOLA |
Costumo dizer que o ciúme é uma loucura repleta de razão. Ou uma
razão repleta de loucura...
Pessoas em estado de rivalidade tendem a diminuir o antagonista.
Fosse, porém, cada ser humano aberto e inteligente o suficiente
para aceitar o rival e compreendê-lo (compreender-se através
dele) em profundidade, muito descobriria acerca de si próprio.
O poeta Walmyr Ayala, em verso belíssimo, diz: "O lobo, no
espelho, reconhece-se na vítima". Tem razão.
Algo se completa nos antagonistas em função da disputa do mesmo
objeto amoroso. Cessada a disputa, pode vir compreensão e até
amizade. Por alguma razão oculta e profunda, quase nunca nítida,
pessoas tornadas rivais envolveram-se entre si. O que as separa
é o começo primitivo e belicoso da descoberta do que as une. Mas
quem aceitará esta verdade na prática da vida, feita de choques
primários?
Houvesse coragem de prosseguir, descobrir, aceitar e seríamos
melhores e mais evoluídos. Há muito em comum entre os que se
desavêm...
Esta mistura de raiva, ressentimento e ao mesmo tempo
curiosidade e procura (ocultas), entre pessoas tornadas rivais,
revela a natureza intrincada e engenhosa do psiquismo humano.
Pessoas que se odeiam enquanto em disputa de um mesmo amor
seriam até capazes de se entender e mutuamente se admirar,
cessada a disputa.
O impulso - às vezes expresso de modo agressivo - de conhecer o
ou a rival, é um disfarce de ânsia mais funda de
autoconhecimento através de alguém que se interessou pelo mesmo
objeto amoroso e de certa forma o conquistou.
A curiosidade é a forma preliminar (e, às vezes, distorcida) da
necessidade de comunhão com o outro. Fácil de entender mas
difícil de aceitar...
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro