Grande parte (talvez a maioria) das pessoas procuram-se por
causa de diferenças complementares (que existem, e como!) que
depois crescerão até distanciá-las. Há uma percepção antecipada
do que é falta, carência e insegurança nos nossos núcleos
internos. Procura-se, então, quem tem ou parece ter o que nos
falta. No começo é ótimo. Depois... babau, embora haja relações
que se baseiam a vida inteira nessas diferenças que se
complementam.
A união entre duas pessoas - quando não é amor, mas nele se camufla -
é a complementação de necessidades que, num dado momento da vida de
cada um, parecem essenciais para a solução de suas dores, mágoas ou
carências. Amor é deveras confundido com "necessidades
complementares".
O progresso interior ou amadurecimento de apenas um dos membros do par
amoroso, torna ainda mais instável a relação porque dela retira o
caráter complementar que a mantinha. Dois espelhos, um defronte
do outro, geram imagem infinita. Um só espelho reflete apenas a
imagem de quem se olha. Olhar e ver o outro aplaca. Olhar e
apenas ver-se é, para muitos, insuportável.
Quando a evolução de uma das pontas do par amoroso dá-se de maneira
mais rápida que a da outra, esta não tem mais em quem projetar as suas
ansiedades. Uma parte já não aceita as cargas da outra, antes
assimiladas por imaturidade, medo ou dependência econômica. Aí o
equilíbrio do par se abala. Ou rompe.
Por evolução não se entenda apenas a intelectual. Esta é importante,
porém não decisiva. Numa pessoa, há vários núcleos internos que
podem ganhar graus ou ritmos evolutivos diversos: emocional, sexual,
profissional, espiritual, físico, econômico, político.
Somos seres variados, plurais. Nossa arquitetura interior possui
elementos de vários estilos e escolas. Englobamos e amealhamos,
tendências díspares, propostas diferentes em nossos vários
núcleos interiores. Assim, em nossa relação mais profunda, que é
a íntima, cada núcleo interior seja, intelectual, emocional,
sexual, profissional, espiritual, econômico e político pode vir
a ter ritmos diversos de evolução.
Somos seres tão estranhos, que podemos passar por evoluções
intelectuais formidáveis e permanecer anos a fio estacionados ou
cristalizados em outro núcleo emocional. Podemos evoluir emocional,
profissional e politicamente e permanecer estacionados sexualmente, e
repetir antigas, estacionárias ou primárias formas de exercício do
instinto sexual. E assim por diante. É muito difícil evoluir por igual
em todos os nossos núcleos interiores. Por isso desandam tantos casos
de amor depois que se resolvem com a união das pessoas.
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro
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