Olhar que Adivinha |
De todas as adivinhações do amor nenhuma é mais
funda que a dos olhares que se atam e parecem não poder
desprender. Namorados assim o fazem, paqueras, aranhas, serpentes,
aves, répteis, mamíferos, amantes, amigos, esposos. O olhar aprisiona-se
no mistério do outro. E fala de encontros não verbais,
essenciais. Economiza tempo. Avança ou retrocede milênios na
adivinhação do próximo.
O que será, este olhar? Susto? Sustar é paralisar. Há
uma paralisia quando o amor é pressentido. Susto mas
adivinhação.
Adivinhação mas procura. No olhar de quem se adivinha
amando, paralelo à felicidade transmite-se procura, indagação,
ânsia de descobrir que se veio ao mundo para resgatar as
incompletudes daqueles com quem se relacionará profundamente, se
os encontrar e souber que encontrou .
Procura mas encontro. No olhar que se cruza e
paralisa cheio de significações encontra-se a instância deslumbrante na
qual o ser se descobre aceito, querido e perdoado.
Encontro mas impossibilidade. Tudo o que vai sendo
proibido, velado, guardado, adiado, faz-se verdade no momento da
hipnose do olhar que se atrai sem explicação.
Impossibilidade mas permissão. As barreiras, medos, a
polidez, recatos, as resistências que surgirão (reação que não
se explica mas se tem) deixam de existir no instante do olhar
que devasse a verdade funda. A entrega pré/sentida.
Permissão mas mergulho na sombra. O demônio que mora
dentro, a criança, o anjo, o pecado, o perdão, a esperança,
todos os mecanismos secretos, guardados, não sabidos, raro
assumidos, jazem fugidios e perceptíveis no olhar que se
defronta.
Não me refiro ao olhar apaixonado. Falo de algo além,
o olhar que paralisa o outro. Que se apavora de adivinhar-se,
possivelmente feliz, e se descobre em profundidade e espanto no
poço do outro, no fundo do qual mora uma certeza nunca antes
confirmada. Nada o detém,
limita ou qualifica. Contém a pluralidade constitutiva da vida.
Explode na hora do amor ou no instante da morte. Seus
compromissos são com o fundo, o longe, o eterno, o imponderável,
o denso, o lindo, a paz, a tragédia ou a glória. Sua relação é com
as certezas que a razão nunca terá, mas a emoção, a intuição e o
sentimento (que vão além), de há muito as conhecem. Este olhar existe
quando e onde sempre existiu. E existirá, a despeito de nós.
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