ARTUR DA TÁVOLA |
Vendo tanta procura mesclada de certezas; tanta dor disfarçada
de alegria e tanta ilusão tomada como verdade, diariamente na
vida, no mundo, vendo tudo isso defronto-me com uma antiga
proposta do Zen-Budismo, tão antiga quanto profunda e
inevitável. Ela diz, apenas, o seguinte: nem entender, nem
desistir.
Essa parece ser a forma assumida pelo suplício da existência;
mas, ao mesmo tempo, a melhor expressão de sua fascinante
aventura. Querer entender não adianta: mas é mister empreender.
E não adianta até porque, quanto mais entendimento, mais limiar
de novas procuras, buscas e ignorâncias, logo de novos impasses,
cansaços e desilusões. Mas desistir de conhecer, recolher-se ao
batido repertório das idéias, opiniões e impressões que já se
tem, cristalizadas, é permanecer nas trevas. Ou nas geleiras,
congeladas.
Talvez quem esteja certa, efetivamente, é a antiga legenda
gnóstica da serpente “ouruboro”. Ela seria uma infinita serpente
universal que passa através de todas as coisas, ligando-as
secretamente. Essa serpente representa, simbolicamente, a
ligação invisível que há entre todas as coisas, entre o Uno e o
Todo. Ouruboro é representada comendo o próprio rabo,
alimentando-se dela mesma, matando-se enquanto se vivifica, numa
simbolização da autofecundação. Ela seria a representação
adequada para a lei do “eterno retorno”, expressão cunhada por
Nietzsche para representar esse caráter cíclico da natureza e
das coisas.
O grande conhecimento do Todo passaria pelo Uno e vice-versa;
tudo e cada coisa teria uma enorme serpente invisível e
autofecundante a ligar; tudo seria uma grande relação íntima de
infinitos acasos e variedades.
De ser assim, como entender? Como entender o que está além dessa
relação? Como entender o que está antes dela? Como entender o
que lhe deu causa? E se à mente humana vedado foi entender, a
faculdade de entendimento, num paradoxo, também foi dada aos
homens, plantas e animais. Daí a inelutabilidade da condição
humana: a de não desistir. Porque só a não desistência pode
levar o homem a, num súbito clarão, obter a revelação.
Revelação, portanto, seria a forma de entrar em relação com a essência,
com a coisa em si, com o “númeno” e não com o fenômeno. Em suma:
nem entender, nem desistir.
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro