Jornal O Dia

Quarta, 3 de julho de 2002.


ARTUR DA TÁVOLA

A guerra da paz
Ninguém no Brasil se pergunta por que é tão importante para nós vencer uma Copa do Mundo de Futebol. Há a manifestação de algum orgulho ou a necessidade de afirmação dos povos envoltos nas atividades desportivas. A explicação mais próxima da verdade parece-me ser o desporto como representação simbólica dos impulsos guerreiros e agressivos, parte integrante do psiquismo humano.


Para sobreviver na selva do passado, fraco como é do ponto de vista físico e em comparação com outros animais, o homem precisou desenvolver incomensurável agressividade. Sem ela, teria sido incapaz de manter-se vivo por bilhões de anos. Agressividade e inteligência. Aos poucos, o ser humano veio burilando essa agressividade. Mesmo assim, a história humana registra violências espantosas, crimes, genocídios, guerras cruentas. E fora do plano guerreiro, o bicho homem sempre desenvolveu pesadas pelejas, no passado com as lanças sobre os cavalos como hoje com as luvas de boxe. Os mais sutis desenvolveram lutas de alta finura como o jiu-jítsu ou o judô ou a sutileza aliada à violência como nas lutas marciais. Ou o tênis.


Lutar é símbolo de guerrear. Por isso, atletas são tratados como heróis. Observar uma delegação desportiva é ver guerreiros. A própria gíria desportiva destaca esse caráter. Palavras como "a peleja", "a pugna", "a batalha", "ponta-de-lança", "deu uma bomba", "acertou petardo", "entrou rasgando", entre tantas outras, decorrem da guerra. No momento de vestir a camisa de uma seleção, o atleta incorpora a alma do País e é considerado traidor o que o faz sem sangue ou sem garra ( mais expressões agressivas ).


Está, portanto, o desporto intimamente ligado às pulsões profundas de um povo: a qualidade de sua raça; o vigor de sua saúde; o sentido artístico ou prático com que o pratica; o valor intelectual de suas estratégias; suas virtudes físicas; tenacidade; energia moral, o brio demonstrado, todos (sic) são símbolos não muito claros - mas profundos - da necessidade de afirmação e de reconhecimento das virtudes de um povo.


Ser melhor, mais forte ou apto é eco do tempo em que tais qualidades eram essenciais para sobrevivência da espécie ou a conquista da fêmea procriadora. É algo arraigado no ser humano, que, diferentemente dos animais, não os exerce em estado puro, mas encontrou formas projetivas de os representar.


Esta Copa demonstrou ser um dos mais altos rituais dessa paixão. É um símbolo de transformação da guerra feito arte, feito disputa regrada, feito valor de vida. O mundo se tornou, via televisão, uma grande Grécia antiga, cultuando no corpo jovem de seus atletas a sublimação de seus mais altos instintos guerreiros através da paz e da concórdia.


Envie carta para VINI E JOBIS

Copyright (c) 2000 - >Esta página foi gerada através do Intervox, mais um utilitário de rede do Projeto DOSVOX Contacte o coordenador do Projeto