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ARTUR DA TÁVOLA
A guerra da paz
Ninguém no Brasil se pergunta por que é tão importante
para nós vencer uma Copa do Mundo de Futebol. Há a manifestação de algum
orgulho ou a necessidade de afirmação dos povos envoltos nas atividades
desportivas. A explicação mais próxima da verdade parece-me ser o
desporto como representação simbólica dos impulsos guerreiros e
agressivos, parte integrante do psiquismo humano.
Para sobreviver na selva do passado, fraco como é do ponto de vista
físico e em comparação com outros animais, o homem precisou desenvolver
incomensurável agressividade. Sem ela, teria sido incapaz de manter-se
vivo por bilhões de anos. Agressividade e inteligência. Aos poucos, o
ser humano veio burilando essa agressividade. Mesmo assim, a história
humana registra violências espantosas, crimes, genocídios, guerras
cruentas. E fora do plano guerreiro, o bicho homem sempre desenvolveu
pesadas pelejas, no passado com as lanças sobre os cavalos como hoje com
as luvas de boxe. Os mais sutis desenvolveram lutas de alta finura como
o jiu-jítsu ou o judô ou a sutileza aliada à violência como nas lutas
marciais. Ou o tênis.
Lutar é símbolo de guerrear. Por isso, atletas são tratados como heróis.
Observar uma delegação desportiva é ver guerreiros. A própria gíria
desportiva destaca esse caráter. Palavras como "a peleja", "a pugna", "a
batalha", "ponta-de-lança", "deu uma bomba", "acertou petardo", "entrou
rasgando", entre tantas outras, decorrem da guerra. No momento de vestir
a camisa de uma seleção, o atleta incorpora a alma do País e é
considerado traidor o que o faz sem sangue ou sem garra ( mais
expressões agressivas ).
Está, portanto, o desporto intimamente ligado às pulsões profundas de um
povo: a qualidade de sua raça; o vigor de sua saúde; o sentido artístico
ou prático com que o pratica; o valor intelectual de suas estratégias;
suas virtudes físicas; tenacidade; energia moral, o brio demonstrado,
todos (sic) são símbolos não muito claros - mas profundos - da
necessidade de afirmação e de reconhecimento das virtudes de um povo.
Ser melhor, mais forte ou apto é eco do tempo em que tais qualidades
eram essenciais para sobrevivência da espécie ou a conquista da fêmea
procriadora. É algo arraigado no ser humano, que, diferentemente dos
animais, não os exerce em estado puro, mas encontrou formas projetivas
de os representar.
Esta Copa demonstrou ser um dos mais altos rituais dessa paixão. É um
símbolo de transformação da guerra feito arte, feito disputa regrada,
feito valor de vida. O mundo se tornou, via televisão, uma grande Grécia
antiga, cultuando no corpo jovem de seus atletas a sublimação de seus
mais altos instintos guerreiros através da paz e da concórdia.
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