ARTUR DA TÁVOLA |
(Getilmente cedida por Artur da Távola para o
Armazem de Sonhos
e o Sonho Digital )
Quem vai para a guerra? Os jovens! Quem pega os serviços mais
pesados? Os jovens! Quem vem ao mundo para atender a
necessidades de tenebrosas carências adultas? Sempre as
crianças! Quem paga o preço existencial dos nossos delírios?
Quem recebe, da televisão, a mais brutal massificação? As
gerações mais novas. Quem mantém a vida das pessoas que perderam
(nelas mesmas) a vontade de viver? Sempre os mais moços, filhos,
crianças, jovens. Por que temos a mania de colocar nos mais
moços todos os nossos melhores anseios? Por que enchê-los de
compromissos nossos? Do que não pudemos ou soubemos fazer? Por
que?
Estas e tantas outras perguntas podem estar a revelar um aspecto
meio nebuloso da contradição humana: a dificuldade do adulto de se
defrontar com a juventude alheia, porque isso é se defrontar com a
própria passagem, com o envelhecimento, com a morte.
No nível consciente tudo isso é muito bem defendido e disfarçado
com intenções sadias, com amor, com cultura, com o legado da
experiência, com uma consciência da importância de preparar as
novas gerações.
No nível inconsciente, porém, naquela parte em que somos só
impulsos, só realidades instintivas (muitas delas mergulhadas em nosso
lado de sombras), o ser humano viver cortado de irreveláveis impulsos
de inveja e destruição em relação aos mais jovens, impulsos estes
que, muitas vezes, não vêm ao nível do consciente ou não são
percebidos ou identificados como tal. Eles são terríveis! Tanto, que o
homem, encontra formas de racionalizá-los, isto é, encontra maneiras
de senti-los através de seus vários disfarces ou das formas mascaradas
através das quais eles se manifestam.
Tais impulsos de inveja e destruição são de tal monta, tão
profundos, misteriosos, ignotos e sombrios, que em certas pessoas mais
doentes, eles configuram um quadro que a psiquiatria chama de
“filicídio”, pois dá em pais que não conseguem controlar as
formas inconscientes de destruição dos próprios filhos, na mesma
proporção em que o contrário existe e é muito estudado pela
psicologia profunda: o ódio dos filhos (inconsciente) pelos
pais. Quanto digo ódio, não me refiro ao todo da pessoa.
Refiro-me à parte do todo que ela odeia.
O contato com esse impulso de ódio e destruição de tudo o que
por ser jovem e verde leva o mais velho a defrontar-se com a morte, com
a queda, com a perda de força, com a impotência, com a destruição,
com o enfeiamento, é um contato terrível! Está carregado de culpas
abissais e de dolorosas constatações, para as quais apenas as pessoas
muito maduras estão preparadas.
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro