ARTUR DA TÁVOLA |
A mulher conversava com o homem. Ele a admirava com o olhar
adocicado pelo amor total. Ela preparava a mamadeira do filho.
No detalhe, porém, um mundo se revelava. Ela estava com os
cabelos molhados recém-saídos do banho. O ar atarefado da mulher
jovem com cheiro de limpo e sem nada de luxo e o perfil cortado
pela seriedade da função corriqueira e generosa de preparar a
mamadeira nele despertaram mistura de atração física com
ternura. Esta, é irrefreável. .
Quanta coisa nesse pormenor! Ele me contou o fato e eu, velho
cronista habituado a separar realidade de ficção, embarquei num
devaneio, que passo a vocês: confesso-lhes, e sem encabulamento,
o meu fraco total por cabelo recém-lavado, suave cabeça de
mulher cheirando a caixa de sabonete. Tenho por esse odor uma
entrega derrotada e confessa, na razão inversa do mal-estar que
sinto por perfumes fortes, particularmente os doces.
Em cinema, banho em geral é sempre apresentado como convite à
sedução artificial, a dondoca saindo enrolada na clássica toalha
cheia de imprevistos possíveis e de adivinhações excitantes. Mas
“tomada-banho” (como se diz na Bahia) dele restando apenas a pele
fresquinha e seca e o cabelo molhado, é pormenor, muito mais bem
bolado!
Aquela jovem mulher de cabelos molhados me faz lembrar de
quantos instantes não percebidos de beleza e ternura está
composto o quotidiano do povo, cada vez mais tenso e difícil. Um
corpo de mulher jovem, exalando o cheiro sedutor de banho de
agorinha dignificado pela tarefa simples, enérgica e essencial
de preparar a comida para o filho, é um lindo quadro. Ali era
apenas uma jovem mulher. De rosto muito doce e pele lisa. Boca de
criança, uma pálpebra lindamente mais baixa e nariz delicado. Apenas
uma jovem mulher, cheirando a banho tomado e com a insuportável sedução
de um cabelo molhado e sacudido, pronto para a intimidade do amor. Que
como na vida: custa a chegar. Ou quando vem, já cansou de tanta espera.
Mas vem e chega.
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro