ARTUR DA TÁVOLA |
Tema antigo. Ainda e sempre, ódio e amor, andam juntos através da
facilidade através da qual o amor que não encontra resposta apodrece e
vira veneno. O que salva e o que eleva é constituído da mesma
matéria que fermenta, apodrece e mata.
Qual será a química explicativa da transformação súbita do que
era busca, procura, sentimento de proteção e dedicação em
imediata deterioração e ódio?
A química da transformação do afeto em raiva e da raiva em ação
destrutiva, ainda não foi medida por nenhum laboratório da ciência.
Apenas pela literatura e pela dramaturgia. Ou pelo jornalismo
diariamente a espelhar os casos de amor terminados com a destruição de
uma das partes.
A psicanálise também examina a questão. E com profundidade. Para
ela, o mecanismo de auto destruição ou de destruição do próximo,
já estava presente quando as pessoas resolveram se gostar. O mecanismo
destrutivo está, já presente, quando as pessoas fazem o que supõem
ser uma escolha livre. Não é escolha, diz a psicanálise: é o
atendimento de uma pulsão inconsciente que faz adivinhar no parceiro as
condições para o exercício dos impulsos mais fundos de destruição:
ou a própria ou a do outro. Assim diz a psicanálise. Mas a
questão continua de pé.
Se era amor, se era tanto, por que, diante da frustração ou da
recusa de reciprocidade ele tem que virar ódio?
Se é amor não pode nunca ser ódio, proclamarão em coro os
humanistas e os cristãos. Não era amor!
Quem ama e é rejeitado tem o impulso de ódio e de destruição. É
esse impulso (que às vezes pode durar apenas um segundo) que essas
histórias populares percebem e ampliam, traduzindo-o numa ação
demorada, complexa, planejada, urdida. O público adere porque aí
encontra a forma mais simples de ver-se ainda que através do outro;
como na dramaturgia e na literatura.
Quem for capaz de conhecer o próprio impulso de ódio poderá
talvez aplacá-lo, ou diminuir o seu efeito destrutivo.
Quem for capaz de controlar o próprio impulso de ódio talvez até
aproveite a energia que está dentro dele (como nas forças da natureza)
canalizando-a para obras e ações criadoras e positivas.
Quem for capaz de dirigir o próprio impulso de ódio, talvez
despeje a força dele numa atividade artística ou empresarial,
desviando-a do objeto amado passível de ser destruído.
Tudo bem. Magnífico que assim se faça, conforme o caso e
conforme a pessoa! Terapêuticas e religiões (no fundo parecidas) aí
estão a mostrar o sentido ético da vida e a importância de
transformar a falibilidade e fraqueza humanas em objeto de meditação e
de aprimoramento.
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro