Projeto DOSVOX F. Pereira da Nóbrega



Vendeu a filha

Está nos jornais: a mãe vendeu a filha. Está na suposição do repórter que o público ficará horrorizado com a notícia. Sugiro que o horror seja dividido entre várias partes cúmplices. A cumplicidade maior é do comprador. Gente não tem dono, não pode ser vendida, não é mercadoria, não pode ser coisificada. Nem o marido é dono da esposa nem o pai é dono da filha. Como nos furtos, vendidos a terceiros, na compra de crianças não há comprador, há receptador do ilícito.

A rigor, a lei não deveria proibir vendedor , só comprador de crianças. É a miséria extrema quem faz a mãe vender seu filho. Digo “mãe”, porque nesses casos nunca aparece pai.. A companheira já é uma abandonada, de criança nos braços.

As razões da compra sejam puníveis, as da venda talvez não. Conhecemos uma categoria jurídica do roubo famélico: o ser humano, entre a fome e a morte, se comer a galinha do vizinho, não será punido. Afinal a vida de um está acima da propriedade do outro.

A mãe que vende a filha está neste caso. Alienou o que lhe não pertencia, porque gente não é propriedade privada de ninguém. Mas o fez em grau extremo.

Gosto de ouvir aquele ditado que nos veio dos romanos: a necessidade está acima da lei. Sim, porque a lei foi feita para o homem, não vice versa. Quando um regime escraviza o homem, o menor mal ainda é depor este regime e libertar o homem.

Seguramente esta mãe vendeu o filho a algum estrangeiro. Agora terá cidadania, talvez suíço, francesa talvez. O instinto materno raciocinou certo: tome lá a cidadania do filho, dê-me cá a esperança de sua felicidade.

Quando um país tem 30 milhões de menores abandonados, quando a cada dois minutos morre uma criança no Nordeste, quando dentre as sobreviventes umas cegam de fome, outras, de fome, ficam debilóides, de crânio atrofiado, tenho vontade de gritar:

Mães miseráveis, não vale a pena que seus filhos sejam brasileiros, porque aqui a chance só pinta do lado do capital estrangeiro. Doem, não vendam, seus filhos. Mas se os venderem, ainda as entendo muito mais do que os colarinhos brancos que gostam de ser brasileiros no país da impunidade.


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