MENINA, MULHER DA NOITE |
bém. Agora, em quase todos os bairros da periferia, cresce a prosti-
tuição , abundante e desenfreada. A oferta é maior do que a procura.
as de até dez anos vendem seus corpos para se alimentar.
Por isso, essa noite até as pedras devem chorar. As imagens
do dia me estão de volta. E vejo meninas, de mãos dadas, a
disposição dos machos. De volta, na madrugada, a consciência lhes
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pergunta: "alguém me tocou?" E a mesma consciência, se justifi_
cando: "ninguém, foi o vento que passou". Foi um vendaval que
não deixa escolher passos nem caminhos. À margem da prostituição
deixa crianças tombadas.
Essa noite me sinto como se fora o pai de todas as flores vir-
gens que apodreceram prematuras, infantes, trazendo no corpo as
tempestades do mar. Esta noite, uma menina de dez anos não dormira.
É muito cedo mas os sonhos não a visitam mais. Nem alguém mais
neste mundo lhe contará uma canção de ninar. Esta noite uma crian-
ça de dez anos fará de seu corpo umá rosa, de suas partes fará péta-
las, para a diversão dos machos: "essa eu dou, essa eu nego, o que
restar de quem será!". De retorno a seus casebres, com pouco di-
nheiro e muita doença venérea, estará dizendo: "restei eu, restou
meu corpo, lá vai ele, de quem será!". E, com ele, lá vai ela, de dia
menina, de noite mulher. De dia flor em botão, de noite botão sem
casa.
Se você é desses machões que compram mulheres na madruga-
da, se nos seus caminhos aparecer uma flor-criança, se falar de suas
pétalas, de suas partes, se lhe disser "essa eu dou, essa eu nego",
uma coisa lhe peço: "não desmanche a flor". Não diga a si mesmo:
"não adianta, já está machucada". Num mundo em que as crianças
não merecem respeito, nada mais resta a ser respeitado.
Respeite a nudez do corpo que ainda não adolesceu. Respeite a
flor em botão. Não a force a desabrochar. Ela quer o pão, não o se-
xo. E você lhe daria sexo a preço de pão. Um dia, adolescente, ela
vai querer o sexo, a preço de amor, e não achará. "Resteu ei, restou
meu corpo, lá vai ele, de quem será!". A preço de amor, de ninguém
será. Não proíba uma rosa de hoje florir. Nem uma criança de ama-
nhã amar.
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