ESTÓRIA PARA MARANA


        Minha filha tem 5 anos e se chama Marana. Como as borbole-
        tas, ela adeja as coisas do mundo, sem se fixar em nenhuma. Pouco
        se alimenta - quase só do belo que descobre nas coisas. Ela bebe do
        orvalho do céu e se alimeienta das estrelas de Deus. De noite lhe
        oonto a estória que ela me pede antes de dormir. De dia é ela quem
        me fala. Ontem me perguntou: "você sabe de onde vêm as lágri-
        mas?" E sem esperar resposta: "vêm de um poço que tem dentro do
        coração". À noite foi essa a estória que lhe contei:
        - As lágrimas vêm lá de um poço, dentro do coração. Nele há
        uma corda que entra e sai, sobe e desce, - como as de cacimbão.
        Essa corda se chama Esperança. Quando a gente chora é porque
        Espeança diminuiu lá dentro. É como se mandasse dizer que
        alguma coisa passa mal no poço do coração. Ela não sabe escrever
         falar. Ela pega o rosto da gente, como se fosse folha de papel, e
        nele escreve lágrimas para dizer: Esperança está fugindo do poço do coração.
        Aí paro. Vejo que a poeta do dia é a dorminhoca da noite. Ador-
        meceu, não me ouve mais. Fez do sono a ponte para os sonhos. A
        estas horas, deve andar pelos mundos da imaginação adormecida,
       querendo ver em cada ser - humano o tamanho da Esperança e as pro-
        fundezas do coração. Teimo em continuar lhe falando:
        - Este cacimbão é bem mais seguro do que os cofres de jóias e di-
        nheiro. Os cofres se abrem por fora, os corações só se abrem por
        dentro. Sua chave se chama Confiança. Se seu dono não confiar, ele se abre a ninguém. A e gente fica a vida inteira vendo as lágrimas nas faces alheias sem saber decifrá-las. Chora o homem, chora a natureza inteira. Mas as coisas choram só de inveja do homem. Só
        ele tem aquela corda chamada Esperança. As coisas não têm lá den- tro nem corda nem cacibão. Lágrimas de gente e das coisas se
        juntam no mar das Esperanças Perdidas. As águas têm uma história
        irmã da nossa. Sofreram também. Vão passando por aí afóra, rio
        abaixo, murmurando, se queixando umas às outras, chorando sauda-
        des das nascentes, dos tempos de água-menina. Uma era remédio e
        curou. Outra era veneno e matou. Uma nasceu lágrima de criança. A
        outra, lágrima de fim de vida. Uma aguou flor de jardim. A outra,
        espinho de mandacaru.
        A infância toda é o sonho da criança. Quando ela dele acordar,
        já é jovem, o sonho já terminou. Para continuar a conversa, faço da
        estória história, para a criança ler, entender, quando acordar jovem.
        Continua assim:
        - Dizia a Marana-menina que pouca coisa dos corações a
        gente sabe porque eles só se abrem por dentro. Mas esse seu pai,
        Marana, já exerceu atividades de padre, já foi escafandrista dos co-
        rações. Posso dizer que nalgumas almas a Esperança é tão curta que
        já não traz aos olhos notícias do coração. Lá dentro o poço já secou.
        Há gente tão sofrida, petrificada, coisificada! Lá dentro a Esperança
        nunca fez morada. E, porque já desci ao fim de muitos poços, lhe
        digo que no fundo de alguns só existe lama. Aquela cordinha da Es-
        perança não se estende a ninguém. Só dá para eles e suas lamas.
        Neste palmo de corda muitos terminam se enforcando. Há também
        corações esquecidos em si, que só sabem chorar a Esperança de to-
        dos os homens.
        - Quando você crescer, cave mais profundo o poço do seu co-
        ração. Vai chorar mais? Não faz mal. É nestas águas que a humani-
        dade vem matar a sua sede. Cada um de nós tem sede do coração
        alheio. E a foz de todas essas águas se chama História humana.
        Coitadinhos dos animais: sem corda nem cacimbão, eles não têm
        História porque não têm Esperança.


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