O jardineiro e a flor


- F. Pereira Nóbrega -

Flor desabrocha. Jardineiro pensa. Se flor também pensasse, entenderia que seu jardineiro é eterno. Esteve em botão, desabrochou, perfumou, murchou, morreu. E seu jardineiro continuou o mesmo. Se antes dela existiu, se depois dela ainda existe, a conclusão persiste: eterno é ele.

Também o jardineiro pensaria que a montanha é eterna. Nasceu, viveu, envelheceu, morreu. E ela continuou. Nós, coisas, tudo, somos nuvem que o tempo tange, enquanto vai passando. Do existir, todo pouco é muito enquanto mal se viver

Bem vive a flor. Tem seus modos de ser e exalar. Tem seus tempos de brotar e florir, de perfumar e morrer. E fielmente os cumpre. Perfeita na sua ordem de seres, não se violenta. Afinal, a flor nada tem a fazer na existência, senão ser flor.


    O homem nada tem a fazer na vida, senão ser homem.

Mas ele e ela, noutras coisas, se antagonizam. Ela é construção de andar único, acabado, que chamemos de instinto. Ele, edifício de três andares, ainda em construção. Sobre o instinto se ergue a vontade. E sobre a vontade, seu refletir, pensar.

A realização vegetal é instintiva. A humana é livre decisão. O homem se faz - ou se desfaz. Nem uma coisa nem outra, a rosa já nasce feita. Ele, se quiser, se desumaniza. Ela não tem querer. Não se desfloriza. Faltou água, faltou luz? De dentro não vem o mal que afeta a roseira. O instinto lhe garante a perfeição. Mas é sobretudo de dentro que vem o mal, perversor do homem.

Acima do querer, ele tem o pensar. É então que jardineiro e flor mais se antagonizam. Ela não pensa, não sabe que vai morrer. Se soubesse, talvez nem perfumasse nem florisse. O homem é o único ser que se sabe mortal.

Ser ou não ser, morrer ou não morrer, não é bem esta a alternativa do homem. Se nada tem a fazer na vida, senão se ser, viva bem, seja humano enquanto viver. Este bem existir humano, como na flor, desabroche na partilha, que homem algum sobrevive, sozinho, ao nascer. Partilhe o que é, o que tem, como a roseira, gratuitamente florindo, sem pensar no ganho.


    O melhor do jardineiro é a saudade da flor.


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