Projeto DOSVOX Incômodos


Incômodos

- F. Pereira Nóbrega


    O mundo é incômodo.

Feito de tempo e espaço, os dois nos incomodam igualmente. Por vez quero estar em vários lugares. Não dá para estar na festa e, ao mesmo tempo, assistir ao filme também. No jogo do espaço, só ocupo um, perdendo outro. É que o coração tem desejos que o mundo não pode apaziguar.

Pior que o espaço, é o jogo do tempo. Viver é morrer, em módicas prestações de minutos, num macabro crediário. Se fumei um cigarro, durante três minutos, morri três minutos. Tempo é contagem regressiva para um final. E idade avançada já é doença grave. Novamente o mundo é incômodo. Não tem remédio para os desejos que desperta.

Incômodo o mundo, a sociedade também. Ela olha e comenta como nos vestimos, nos portamos, com quem andamos. Se puder, bisbilhota nossa vida pessoal. Então nos protegemos na privacidade possível Assim, termino sendo dois. Um é o eu autêntico e privado. É o meu ser. O outro, para consumo social, é o eu planejado sob medidas sociais. É o meu parecer.

Ainda em sociedade, os amigos escolhemos, os vizinhos por vez o diabo nos dá. Não só vizinhos de residência, também de estudo, trabalho, até os provisórios que, enquanto viajamos, se sentam a nosso lado. Ora são os chatos e suas conversas chatas, nos tirando da solidão sem nos dar companhia. Ora são os fumantes, os mal cheirosos e outros mais.

Mundo e sociedade, porque são incômodos, as civilizações nada mais fazem que buscarem comodidades. A ponte, o trem-bala, o avião supersônico, os shopping encurtam tempo e espaço. E haja maquinas ativas, motores na madrugada. E haja fumaça nos céus, poluição na Terra, de gazes, sonora, visual, todos nos incomodando enquanto produzem comodidades.

Achei que tudo compensou. Tenho eletrodomésticos, televisão, carro, celular. Acostumei-me com tudo isso de forma tão radical que, sem isso nem mais consigo viver. Mas um dia o coração bate noutra direção e me diz que isso não basta. O puro consumismo deixa as vidas vazias de algo mais. Estados Unidos e Suécia, os maiores padrões de qualidade de vida no mundo, são recordes de suicídios.

Só então percebo que o remédio é pior que a doença. Mundo e sociedade me incomodam. Para isso, indústrias e engenharias me oferecem produtos. Tanto me habituo a eles que se me tornam indispensáveis. Tanto me acostumo que se banalizam e começo a procurar algo mais. De tudo preciso e nada me basta.


    E a solução qual será?

Terça, 4/2/2003


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