FILHO E PAI


F. Pereira Nóbrega


Filho e pai

Adão se continua em cada um de nós. É o mesmo milagre da vida que se perpetua, se superando. Seja costela, seja o que for, o pedaço de mim que se perdeu no outro é, de mim, na vida, o que menos se perdeu. A mim retorna meu outro eu. Nele me reencontro mais do que nas coisas que fiz e nos sonhos que já sonhei. O filho me é vida após a vida.

Plantei árvores, escrevi livros também. E os reli, quase narcisista, querendo através deles a mim voltar. Em nada e em ninguém mais a mim retornei do que nos meus próprios filhos. Falei de narcisista. No desejo de paternidade, todos nós o somos um pouco. Tanto que fazemos como o gado, lambendo a cria¸ depois de gerada. Acariciamos o próprio eu¸ mimando e ninando a nova carne do eterno homem, na vontade que fosse um super-homem também.

Porque narcisistas, vezes tantas nos pomos diante do espelho, para nos ver, nos cuidar. E nele vejo só a casca do homem, como a das plantas, envelhecendo no tempo. A interioridade se eclipsa aos sentidos. O espelho fotografa. Só o filho revela. Só ele, espelho da imagem do pai. Nos filhos volta a infância, a adolescência, a vida inteira. É o sexo disputando com a religião a mesma sede de vida eterna.

Em cada criança do lar, me vejo a criança que fui. A lágrima que ela chora, esta mesma já chorei, nas quedas que sofri, dos caminhos que caminhei. O riso de seus lábios também já se espalhou nos meus, quando vi a primeira estrela do céu na primeira água do chão. Quebrou um cinzeiro, um cristal? Recolho os fragmentos, chorando de sanidades por dentro. Porque tudo isso um dia já quebrei. No filho, espelho do meu eu mais pleno, tudo retorna como se tudo eterno fosse: alegria de sentir e de amar, alegria de viver.

Agora vamos por aí afora, filho e pai, um segurando a mão do outro. É o futuro guiando o passado. Ambos, o eterno presente da condição humana. Hoje sou o seu herói. Amanhã será ele o meu. Quando eu entrar no eclipse total de mundo, ainda será ele o espelho inteiro do meu eu partido. Sou hoje a sua esperança, amanhã a sua saudade, na imagem de sua memória ainda vivendo quem não vive mais.

Nas suas palavras ainda serei eu quem fala. Também, nos atos honestos de meu aprendiz. A existência me terá sido pequena para todos os ideais? Quando assim me pergunto, procuro alguém para me continuar. O filho - ei-lo aí. Sou eu depois de mim. Porá no mundo as palavras que me ficaram na garganta, os sonhos que restaram por sonhar. Juro, na fantasia de pai: ele será o que não consegui. É um pedaço de mim que no mundo deixei. Só ele será perfeito do ótimo que eu quis ser.


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