10 Mitos nordestinos

Frei Damião passou 50 anos, percorrendo as vilas deste quase deserto nordestino. Superou Lampião que ainda passou 30.

A comparação não é injuriosa. Enquanto o corpo do nordestino geme sua fome, a alma inventa esperanças, na mesma tentativa de sobrevivência. Lampião e Frei Damião são as duas faces de um mesmo movimento pendular. A ordem é ter esperança de vida, construída com as próprias mãos, como no cangaço, ou pelas bênçãos de Deus, através dos santos.

Desde as mais remotas eras, o Nordeste buscou seus mitos como quem busca seu Deus. Monoteísta que é, até no mito, cultuou um só de cada vez. Mas, avessa ao ateísmo, como é, jamais passou uma só década sem achar seu mito.

Primeiro foi o Conselheiro. Morreu ele e imediatamente os sertões se fixaram na figura do Padre Ibiapina, o novo mito. Apenas ele morreu e a esperança coletiva migrou para o Padre Cícero. E sabemos quanto os sertões esperaram desse novo mito. O que esperava não era o céu por recompensa. Era o pão e a chuva. Morreu Padre Cícero e na figura de Frei Damião a esperança fez morada.

Há pouco, era Frei Damião quem perfazia seu ultimo caminho. Sua pregação ninguém mais entendia e todos queriam ouví-la. Sua conversa ao ouvido ninguém mais entendia e todos queriam escutá-la. Como nas mitologias, não importa o que o mito diz. Importa o que ele é.

Agora, no eclipse do último mito nordestino, se procura um novo líder popular. Nos políticos a fé sertaneja não quis se apegar. Ao contrário dos mitos, o político não se importa com o que é, mas apenas com o que diz.

A Sudene surgiu como a nova Canudos da redenção nordestina. Apagou-se como nossa decepção maior. Nisso o nordestino sempre acertou: aos políticos preferiu não apenas os “beatos” mas também os cangaceiros.

Ninguém até hoje salvou o Nordeste: nem políticos nem cangaceiros. Nem a lenta procissão dos mitos, desde o Conselheiro até Frei Damião.

Hoje, sem esses mitos, seja da fé, seja da violência, as inscrições estão abertas para um novo líder popular que acene com esperanças para este povo. Mas basta de ilusões em nome da política ou mesmo da fé.