O movimento associativista das pessoas portadoras de deficiência:
Conquistas e Lutas

Palestra proferida pela Jornalista Joana Belarmino, no fórum Paraibano Sobre Acessibilidade e Inclusão, realizado na fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência, Funad, no período de 20 a 23 de setembro.

Poderíamos afirmar que o movimento associativista das pessoas portadoras de deficiência no Brasil, em sua época mais recente, primórdios dos anos oitenta do século vinte, é ao mesmo tempo um movimento muito novo, do ponto de vista da datação dos calendários, entretanto, apesar desse curto tempo de existência, assenta-se num conjunto de idéias, num conjunto de prerrogativas que lhe conferem um vigoroso espírito de luta e um importante espaço político assegurado pelo estado e pelas instituições da sociedade civil.

Queria pois iniciar minha comunicação falando desse espaço político, porque entendo que neste espaço reside uma das mais importants conquistas do movimento.
Então vamos a um rápido panorama histórico. É sobretudo nos anos oitenta que nasce o maior número das associações que temos hoje, associações filantrópicas, apartidárias, arreligiosas, congregando interesses de todas as áreas de deficiência existentes.

Ora, essas associações nascem sob o signo da organização política, na medida em que o nosso país da década de oitenta clama pela redemocratização da sociedade, pelo fim dos regimes ditatoriais, pela instituição dos governos eleitos pela própria sociedade.

No plano internacional, a Organização das Nações Unidas chama a atenção do mundo para a problemática social das deficiências, criando ou apoiando espaços de organização, influenciando e possibilitando a ampliação das associações em coalisões, federações e confederações.

O movimento eminentemente espontâneo, voluntário, ganha o estatuto do reconhecimento legal da parte do Estado brasileiro, que gradativamente vai melhorando a legislação de disciplinamento das organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo em que cria estratégias de parceria e colaboração para a formulação e a execução das políticas públicas de melhorias das condições de vida desse segmento social.

É assim que uma das nossas maiores conquistas é a conquista de um lugar de direito dentro da teia das organizações da sociedade civil, quando nossas associações, por força de lei, incorporam-se ao conjunto das chamadas organizações de Pessoas Jurídicas de Direito Privado, Sem Fins Lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
É a lei das Organizações do terceiro setor, a lei das Ocipes, como é comumente chamada,sob o número 009.790 regulamentada por via do Decreto nº 3.100, de 30 de julho de 1999 , que nos confere essa qualidade de pessoa jurídica e legisla sobre as parcerias antes mencionadas.

Fazemos parte pois, do conjunto das mais de duzentas mil organizações não governamentais, ou se quisermos, organizações do terceiro setor espalhadas pelo país, aptas a trabalhar ao lado do estado, das suas organizações, em favor da formulação e da execução das políticas de acesso aos bens e serviços, enfim, as políticas de acesso aos direitos de cidadania assegurados na Carta Magna do país.

Aqui entretanto se impõe uma reflexão: A conquista do estatuto legal por si só teve força para fazer com que de fato as nossas associações tivessem um papel decisivo no processo de parceiria com o Estado brasileiro?

Uma análise superficial dessa questão nos leva em princípio a uma resposta positiva. Os segmentos organizados da pessoa portadora de deficiência têm sido gradativamente convocados a ter assento e voz nos conselhos federais, estaduais e municipais criados pelo Estado para a fiscalização, a formulação e a gestão das políticas públicas.
Na contemporaneidade, assistimos a um passo ainda mais significativo: a composição dos conselhos específicos, como órgãos técnicos dos governos, responsáveis pela formulação de uma políitica específica voltada à pessoa portadora de deficiência.

Isto significa que, ainda que de forma lenta, o estado brasileiro tenta construir uma aliança com as organizações de pessoas portadoras de deficiência, aliança que em algumas instâncias se revela bem sucedida, em outras, mostra-se ainda frágil e pouco consistente.

Poderíamos mesmo afirmar, com o risco de estarmos fazendo uma previsãoinadequada, na medida em que ainda não estudamos essa problemática à fundo, que o segmento de pessoas portadoras de deficiência tem sido convocado a falar, entretanto, os processos de transferência de responsabilidades da parte do Estado para as associações,
os processos de transferência de recursos para a execução de políticas, ainda se dão de forma muito tímida, ou, em muitos locais, estas transferências não acontecem.

Talvez essa atitude do Estado brasileiro resida fundamentalmente num modo particular de encarar as pessoas com deficiência. O qual, lamentavelmente, ainda predomina no imaginário dos legisladores, dos governantes, da sociedade em geral. Sabe-se que por centenas de anos, a pessoa com deficiência foi considerada, inclusive no amparo da lei, como uma pessoa tutelada, a exemplo de outras minorias, como os índios.

Cria-se assim, uma situação singular em que o Estado reconhece os direitos de cidadania da pessoa portadora de deficiência, consigna a esse segmento acento e voz nas suas instâncias de representação, entretanto ainda é débil na transferência das responsabilidades e condições para que essas pessoas, através das suas organizações, sejam de fato as parceiras do Estado na execução e no cumprimento do que estabelecem as políticas públicas.

Se observarmos por exemplo, as estruturas físicas que o Estado, em todas as suas esferas, destina aos organismos de representação da pessoa com deficiência na suaarquitetura, encontraremos uma realidade marcada porbaixíssimas dotações financeiras, espaços físicos inadequados, pessoal muitas vezes desqualificado ou em número insuficiente para as demandas de atendimento.,

Mas não basta olhar somente para a ação do Estado, se quisermos compreender esse panorama de conquistas e lutas do movimento das pessoas portadoras de deficiência.
Uma segunda reflexão se impõe, aquela que indaga sobre o movimento em si, sua forma de organização, suas alianças, a estrutura material das associações.

No que toca à nossa estrutura material, temos que reconhecer que vivenciamos uma realidade precária. Somos associações pobres, desaparelhadas de equipamentos e estruturas adequadas. Não temos receitas fixas e vivemos ao sabor da elaboração de convênios, projetos, que muitas vezes não chegam a se efetivar, o que dificulta ou mesmo inviabiliza o cumprimento das nossas metas estatutárias.

Se as décadas de oitenta e noventa podem ser classificadas como o período em que mais realizamos alianças de interesses de grupos, (portadores de cegueira, portadores de deficiência física, deficientes auditivos e mentais), eu diria que hoje vivemos um tempo de inércia, em que atuamos em trincheiras separadas, cada grupo cuidando dos seus próprios interesses.

É claro que a especificidade de cada deficiência exige também ações específicas de cada grupo, entretanto, quando se trata de lutar pela cidadania, quando se trata de lutar por acessibilidade, quando se trata de lutar pela otimização da ação estado//movimento associativista, todas essas lutas exigem a mobilização comum, a luta comum, do conjunto das associações que conformam o movimento de pessoas portadoras de deficiência.

E que conclusões podemos tirar dessa rápida panorâmica?

Constatamos que conquistamos um lugar político em que somos vistos pelo estado, como parceiros potenciais na formulação, fiscalização e execução das políticas públicas pelo acesso a bens e serviços; constatamos entretanto, que as alianças estabelecidas entre o Estado e as pessoas portadoras de deficiência ainda são frágeis; constatamos que as alianças de interesses dentro do nosso próprio movimento também são frágeis;

A tarefa que se impõe, é a de otimizar essas alianças, estado//movimento de portadores de deficiência; não basta reconhecer-se o estatuto da parceria, é necessário dar qualidade a essa parceria, com transferência de responsabilidade, transferência de recursos.
Quanto às associações, de a muito que o seu papel deixou de ser unicamente o de reivindicar. As associações acumularam saberes que lhes permitem ser de fato parceiras do Estado no seu projeto global de construção da cidadania. Nos anos oitenta as associações eram eminentemente reivindicatórias. Agora elas também podem ser, e em muitos casos, são gestoras de políticas de capacitação, de educação, de lazer, de cultura, de esportes, etc.

Elas precisam entretanto melhorar essa capacitação na área da gestão, na área da captação de recursos, a fim de qualificarem o seu desempenho frente aos seus associados e frente à sociedade como um todo.

A máxima desse processo de otimização pode ser a seguinte: O Estado precisa das associações e as associações precisam do estado.

Do ponto de vista da geopolítica mundial, estamos no terceiro mundo, na América latina, no Brasil, e mais particularmente no nordeste brasileiro. As estatísticas nos dizem que cerca de duzentos milhões de pessoas pobres do mundo estão concentradas na América latina. Pobreza e desigualdade na concentração da renda, gerando problemáticas como droga, violência urbana, alcoolismo e outros, fazem com que aumentem ano a ano as cifras das deficiências em nosso continente.

Isso reforça pois a nossa máxima, de que precisamos atuar em rede,estado//sociedade//movimento de portadores de deficiência, a fim de minimizarmos os efeitos dessa realidade, e construirmos juntos um projeto global de cidadania, onde todos estejam incluídos.
De acordo com o calendário gregoriano, estamos comemorando o quinto dia de luta da pessoa portadora de deficiência do século XXI. Amanhã, 22 de setembro, assistimos ao desabrochar da quinta primavera do século. A quantas primaveras ainda teremos que assistir, até que tenhamos uma sociedade inclusiva e acessível?

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Para contato: Joana Belarmino

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