Entrelinhas
Boletim Informativo da Associação Paraibana de Cegos - Apace
Ano VI, No. 20, junho-dezembro/2001
Impresso no Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha, João Pessoa - PB
Sede Social:
Endereço comercial:
Tiragem de 100 (cem) exemplares
Endereço para Correspondência:
Distribuído gratuitamente para Associações e Instituições de e para
cegos
Neste número, Entrelinhas circula como uma edição especial,
publicada em braille, em tinta e no seu formato online! É que fechamos o
boletim no mês em que a Apace comemora seus dezessete anos de fundação.
O momento é de muita alegria e quisemos compartilhá-la não apenas
com o público leitor, associados cegos e filiados de escolas e
associações de todo o País, mas quisemos também mostrar nosso trabalho
para o grande contingente de sócios colaboradores que em todos esses
anos têm contribuído financeiramente em prol do crescimento da nossa
Entidade.
A manutenção da publicação em tinta, é, aliás, uma das metas da
Apace para os próximos números. Queremos tornar Entrelinhas, nosso canal
de comunicação com os sócios colaboradores, o lugar onde eles possam ser
informados sobre nossas ações cotidianas, o lugar onde eles possam
também compartilhar idéias, críticas e sugestões para a melhoria de
nossas políticas com respeito aos interesses da coletividade cega no
Estado.
Reservamos para esta edição, algumas das melhores reportagens que
Entrelinhas já publicou em seus anos de existência, assim como
publicamos fatos da atualidade, a exemplo de reportagem sobre o I
Simpósio Brasileiro sobre o Sistema Braille, assim como os principais
resultados do II Senabraille realizado em João Pessoa.
J. B.
Entrelinhas comemora aniversário da Apace em grande estilo, premiando
os leitores com as melhores reportagens já publicadas;
I Simpósio sobre o Sistema Braille:
Brasil e Portugal de Mãos Dadas pela Unificação da Grafia
Em Curto Circuito, saiba sobre a
vitoriosa escalada da Apace no mundo dos esportes
Saiba sobre a inalguração do CAP em Joáo Pessoa.
Mec Inaugura Cap em João Pessoa
Conheça os resultados do
II Senabraille em João Pessoa
Laboratório de Informática no ICP
Entrelinhas aguarda sua colaboração para esta coluna. Os artigos não
devem exceder a um máximo de cinco páginas em braille. Podem ser
enviados via e-mail ou pelo correio (vide
endereço no expediente), preferencialmente em braille.
A correspondência deve trazer também uma
pequena nota com dados pessoais do autor-colaborador. A equipe
responsável pela edição do boletim não publicará aqueles artigos que
fugirem da linha editorial do periódico, a qual se baseia na liberdade
de expressão, desde que esteja fundada no respeito, na ética e nas
regras de boa convivência.
***3333333333333
I Simpósio Brasileiro sobre o Sistema Braille: Brasil e Portugal de
Mãos dadas pela Unificação da Grafia Braille
O I Simpósio Brasileiro sobre o Sistema Braille, realizado na cidade
de Salvador, Bahia, no período de 12 a 14 de setembro último,
traduziu-se num importante marco para esse início de século, no que se
refere à consolidação de uma política unificada da produção e
distribuição do braille no Brasil e nos países de língua portuguesa,
assim como configurou importantes tendências que deverão nortear os
programas de educação especial voltados às crianças, adolescentes e
jovens com necessidades especiais na área da deficiência visual.
Organizado e subsidiado pelo Ministério da Educação, através da
Secretaria de Educação Especial, o evento contou com o apoio da
Prefeitura de Salvador e das organizações de representação da
deficiência visual no Brasil, União Brasileira de Cegos - UBC, e
Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais - Abedev. Com
uma previsão inicial estimada em cerca de 300 inscrições, o simpósio
extrapolou todas as expectativas. Contou com 410 inscritos, havendo
ainda um número significativo de ouvintes em diversas mesas e painéis.
Outras cifras demonstram o êxito do evento. Todos os Estados
brasileiros achavam-se ali representados, ao lado de delegações de
Portugal e de países da África como São Tomé e Príncipe, Cabo verde e
Angola. Com uma metodologia que privilegiou exposições através de
painéis e mesas redondas, o Simpósio ofereceu vinte atividades nos três
dias, além da sessão inaugural, com conferência que versou sobre o tema
central do Simpósio: "Sistema Braille: Um Horizonte de Conquistas", a
qual foi proferida pelo professor Eduardo Ravagni, da Universidade
Federal de Santa Maria, Rio Grande do sul.
Foi um evento de feição eminentemente técnico-científica, apto a
difundir não apenas as novidades e avanços alcançados em pesquisas
voltadas à aplicabilidade do Sistema Braille nas diversas vertentes da
educação especial. Para além desse objetivo, oportunizou ainda,
contatos e reuniões entre as Comissões do Braille do Brasil e de
Portugal, com vistas à consolidação de uma política unificada de
utilização da Grafia Braille e temáticas afins.
Finalmente, o I Simpósio Brasileiro sobre o Sistema Braille foi um
importante espaço para o estabelecimento de um diálogo entre o Brasil e
os países de língua portuguesa, a fim de que se construam plataformas de
ação que respeitem as especificidades vigentes em cada país, mas
propiciem unidade no uso do maior legado que já foi dado às pessoas
cegas do mundo: o seu sistema em relevo de leitura e escrita.
Reunindo representantes das entidades associativas dos deficientes
visuais, de bibliotecas públicas e de um grande número de profissionais
dedicados a prover as necessidades de informação e conhecimento aos
portadores de deficiência visual, realizou-se em João Pessoa, Paraíba,
no Auditório da Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de
Deficiência - FUNAD, o II SENABRAILLE, promovido pela Associação
Paraibana de Cegos, patrocinado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação - FNDE-MEC-SEESP e com o apoio da Universidade Federal da
Paraíba, através do Serviço Braille da Biblioteca Central, do Fórum
Permanente de Educação Especial da UFPB e de outras entidades. O caráter
nacional do evento foi evidenciado pela representação de 19 Estados
brasileiros. As conferências, mesas redondas e depoimentos apresentados
visaram a atender aos objetivos do encontro, conceituar o que seja um
Serviço Braille de qualidade em bibliotecas e instituições
especializadas; além disso, compreender a repercussão dos avanços
tecnológicos voltados ao atendimento das pessoas cegas e de baixa visão;
intercambiar experiências; formação de grupos permanentes de trabalho
para a discussão e a avaliação da problemática em questão.
Veja a relação dos Grupos de Trabalho aprovados em plenário, com
seus respectivos coordenadores:
2- Guia de Fontes de Financiamento Nacionais e Internacionais
Coordenação: Biblioteca Euclydes da Cunha, da Fundação Biblioteca
Nacional (Adriana Vilaça) e-mail
susy@bn.br
3- Manual de Implantação e Funcionamento de Bibliotecas Especiais
Braille (incluir equipamentos básicos, normas de transcrição etc)
Coordenação: Setor Braille da Biblioteca Pública do Paraná
(Sueli Ducat) e-mail
ducat@col.psi.br)
4- Guia Nacional de Bibliotecas Braille (Listagem da Fundação
Biblioteca Nacional mais Instituições com Bibliotecas especializadas,
Associações de Cegos e ONGs)
Coordenação: Disque Braille da Universidade de São Paulo (Raimunda
Miguelina Flexa) e-mail
lina@usp.br
5- Pesquisas: Situação das Bibliotecas Especiais Braille e Serviços
Coordenação: Serviço Braille da BC-UFPB (Izabel França de Lima) e-mail
belbib@bol.com.br
6- Acesso à informação pelas pessoas cegas e de baixa visão
Coordenação: Senabraille (Marília Mesquita Guedes Pereira) e-mail
marilia@bc.biblioteca.ufpb.br
7- Transformação da Sub-Comissão Brasileira de Bibliotecas Braille -
FEBAB em Associação Brasileira de Bibliotecas Braille
Coordenação: FEBAB (Maria de Lourdes Romanelli) e-mail
romal@uai.com.br
8- Os editores de livros e a digitalização para o uso dos deficientes
visuais Coordenador: (Airton Simyle Marques) e-mail
Aitonsm@swb.matrix.com.br
As equipes de goal-ball da APACE, classificaram-se para o Campeonato
Brasileiro que se realizará em novembro no Rio de Janeiro. O goal-ball
masculino conquistou o primeiro lugar no torneio regional ao vencer o
Instituto Benjamin Constant pelo placar de 10 a 0, enquanto que o
goal-ball feminino, ficou em segundo lugar.
As conquistas não ficam por aí. O time de futsal da APACE, embora já
classificado para o campeonato brasileiro, foi o campeão regional, tendo
o melhor ataque da competição, que aconteceu no período de 5 a 7 de
outubro, em João Pessoa, reunindo as equipes de Pernambuco, Paraíba e
duas equipes do Maranhão.
Contando com a presença da secretária de Educação Especial do MEC,
profa. Marilene Ribeiro dos Santos e do secretário de Educação do Estado
Dr. Carlos Mangueira, foi inaugurado em João Pessoa, no último dia 9 de
outubro, o Centro de Apoio Pedagógico José Laurentino da Silva, o CAP da
Paraíba, o qual funcionará nas dependências da Fundação Centro Integrado
de Apoio ao Portador de Deficiência - Funad. O evento contou com a
participação de dirigentes de entidades de e para cegos, que esperam que
o CAP venha dar suporte às dificuldades dos deficientes visuais, no
tocante à produção de livros e material em braille. O nome do Centro de
Apoio Pedagógico homenageia o professor e maestro cego, José Laurentino
da Silva, já falecido e que educou e até profissionalizou no campo da
música, diversos dos alunos cegos que passaram pelos bancos do Instituto
dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha.
Treze microcomputadores, impressora braille, scaner e impressoras
comuns são alguns dos equipamentos do novo laboratório de informática do
Instituto dos Cegos da Paraíba adalgisa Cunha, inaugurado no último dia
7 de novembro. A solenidade de inauguração contou com a presença de
autoridades do Movimento Nacional de Cegos, a exemplo do presidente da
União Brasileira de Cegos - UBc, professor Adilson ventura. A secretária
de Edu cação Especial do Ministério da Educação, profa. Marilene Ribeiro
dos Santos, também prestigiou a inauguração do laboratório, subsidiado
através de recursos do FNDE.
Entrelinhas premia seus leitores com a republicação de duas das
suas melhores reportagens. A primeira é a entrevista com o ex-presidente
da União Latino-americana de Cegos, Enrique Elissalde, que faleceu em 5
de janeiro de 2000, deixando uma larga folha de serviços prestados à
coletividade cega da América Latina e do mundo.
Sua entrevista a Entrelinhas, pode ter sido a última que ele deu a
um periódico em braille.
Enrique Elissalde: Um Trabalhador da Palavra
A segunda reportagem, publicada na edição no. 19 de Entrelinhas, faz
o apanhado do dia-a-dia do único defensor cego a atuar na Paraíba, José
Belarmino de sousa. Confira!
José Belarmino de Sousa: Entre "Titelas" e "Varais"
Enrique Elissalde: Um Trabalhador da Palavra
(Reportagem de Joana Belarmino)
"...Houve muitos cegos muito respeitáveis, mas talvez o maior de
todos seja aquele que ainda não conhecemos, aquele que espera a educação
e que nos espera, entre os pobres e os desfavorecidos do mundo".
A afirmação é do presidente da União Latino-americana de Cegos,
Ulac, o jornalista e educador Enrique Elissalde, que concedeu via
e-mail, uma entrevista para a reportagem de Entrelinhas. O caráter
excepcional da entrevista não lhe retirou nem a graça, nem a leveza tão
próprias ao falar de Enrique; tampouco encobriu os momentos de humor e
irreverência, nem o tom forte da justiça e da solidariedade, tônicas da
sua atuação junto ao movimento latino-americano de cegos.
A esperança parece ser o condimento indispensável para sua luta
diária contra a discriminação, o preconceito, o desrespeito aos direitos
humanos; uma luta que se acha entremeiada pela ação do jornalista, do
escritor, "o primeiro para entrevistar a vida, o segundo para
entrevistar os sonhos, ambos para investigar o mistério".
Segue na /ntegra a entrevista, onde se falou de movimento de cegos,
da cegueira como experiência; onde se viu a força de um homem que junto
com muitos outros, ergueu o sonho da União Latino-americana de Cegos.
- Movimento de Cegos:
P. Gostar/amos que o sr. traçasse um perfil da ULAC para os leitores de
Entrelinhas. A União congrega quantos países, quantas entidades
filiadas, quantas pessoas f/sicas envolvidas?
R. A ULAC tem afiliadas organiza‡ões de e para cegos dos 19 países da
região. Foi um formidável crescimento. Em 1984, quando, na Arábia
Saudita, foi criada a União Mundial de Cegos, havia somente três países
latino-americanos: Brasil, Colômbia e Uruguai, além de El Salvador, como
observador. Já quando se formou a ULAC, em Mar del Plata, em 1985, este
número crecera para quatorze. Na Assembléia de São Paulo (1988), já eram
17, faltando El Salvador e Honduras. Nesse mesmo ano, compareceram os
dezenove países latino-americanos à Assembléia Mundial de Madrid e desde
então, nossa presença tem sido muito significativa. Isto é importante
não só pela participação, mas também porque pôs fim àquela situação
anterior a 1985, quando a América Latina era representada apenas por
três ou quatro países: não havia democracia, mas sim uma elite
conservadora de organizações latino-americanas para cegos, que
felizmente, hoje não existe, porque estamos todos representados com
nossos diferentes pensamentos, estratégias e esperanças.
P. Como o sr. avalia a participação do Brasil dentro da Ulac?
R. O Brasil teve um papel expressivo na ULAC. Foi e é um ponto de apoio
forte e firme.
P. Particularmente no Brasil, associações e organizações de cegos vivem
uma espécie de "crise de credibilidade". O senhor acredita num futuro
em que não mais serão necessárias associações que, em vários n/veis,
congreguem cegos?
R. Acredito que as associações e organizações de cegos sempre serão
necessárias e úteis para defender nossos direitos, para assegurar nossa
integração e para que tenhamos uma voz que nos expresse. Pensar que
deixarão de existir é o mesmo que admitir que sindicatos e associações
de profissionais desaparecerão.
P. Nessa sua gestão à frente da Ulac, é marcante uma preocupação sua
com a questão dos direitos humanos. Na sua opinião, no caso das pessoas
cegas, quais os países que mais desrespeitam os direitos desses
indiv/duos?
R. Os países nos quais, em geral, não são respeitados os direitos
humanos de todos os cidadãos; os países com ditaduras ou com tutela
militar e muita corrupção. É nesses países que há menos respeito por
nossos direitos, mas não porque sejamos cegos, e sim porque são países
submetidos, sem liberdade, sem expressão.
Cegueira:
P. O que significa para o senhor a experiência da cegueira?
R. A cegueira foi uma circunstância que tive de compreender, e aprender
a conviver com ela. Depois que perdi a vista, sabia que não iria
recobrá-la: era cego e sabia que como cego teria de viver, de lutar por
minha parte de felicidade humana.
P. "Ensaio sobre a Cegueira", um dos mais notáveis e perturbadores
romances do escritor português José Saramago tem causado certo incômodo
junto a pensadores e intelectuais cegos. Como o senhor analisa essa
obra?
R. O romance de Saramago sobre a cegueira é terr/vel e está muito bem
escrito. Como alegoria, transmite uma feroz ditadura. Como imagem da
cegueira, deixa que a fantasia faça dela o que não é. Acontece uma coisa
similar no romance de Sabato "Sobre Héroes y Tumbas" ('Sobre Heróis e
Túmulos' - (N. da T.) A cegueira impressiona, desata a imaginação, mas
em sentido negativo em casos assim, mesmo com o valor literário
excepcional que têm.
P. Particularmente, eu gosto de pensar na cegueira como uma "forma de
visão". O que o senhor diria a respeito disso? O que vê a cegueira?
R. Não estou de acordo, Joana. A cegueira não é, não pode ser, uma forma
de ver. A cegueira é não ver. Pensar de outro modo é acreditar em
poderes mágicos, em espiritualidades duvidosas ou num poder especial
para a pessoa cega, o que eu não vivo, que não sinto. Sou um homem, só
isso: um homem que não vê.
- Rapidinhas:
P. Com que palavras o senhor traduziria o século XX?
R. Século XX, derrota e vitória: século dos nazistas, do racismo, da
discriminação e também século de avanços incr/veis na ciência e na arte.
P. O nome de uma pessoa que a seu ver fez da cegueira uma experiência
respeitável:
R. Houve muitos cegos muito respeitáveis, mas talvez o maior de todos
seja aquele que ainda não conhecemos, aquele que espera a educação e
que nos espera, entre os pobres e os desfavorecidos do mundo.
P. Uma frustração:
R. Que o homem seja capaz de matar seu semelhante.
P. Um sonho não realizado:
R. Viver em uma sociedade justa, igualitária e humana.
P. Uma palavra para definir o futuro:
R. Esperança. Sempre a esperança.
- Enrique: um trabalhador da palavra:
P. Dentre as suas inúmeras ocupações na Ulac e na Fundação Braille do
Uruguai, o jornalismo tem sido fruto de muito labor. Quer nos falar um
pouco sobre a sua produção nessa área?
R. Jornalista e escritor sempre. O primeiro para entrevistar a vida, o
segundo para entrevistar os sonhos, ambos para investigar o mistério.
P. "De Perfiles a El Monitor: Datos para um Centenario", foi um
importante trabalho jornal/stico, inovador na área da cegueira e
caracterizado por uma pesquisa de fôlego; há a perspectiva de produção
de um novo trabalho envolvendo por exemplo, a produção tiflológica da
América Latina?
R. Tenho muitos projetos jornal/sticos sobre os cegos e nossa América
Latina, porque seremos "menos incapacitados" quanto mais saibamos de
nós, de nosso passado e de nosso futuro.
P. Seja nas páginas de alguns números de "Punto Siete", seja nas
sessões em que nos defrontamos com o humor de "Braill/n", vislumbramos a
marca de Enrique escritor. Existe projeto seu no sentido de um romance
ou de uma biografia?
R. "Braill/n" quer escrever minha biografia. Coitado, está desocupado!
- Generalidades
P. A humanidade conquistou a escrita há mais de três mil anos; o
ingresso das pessoas cegas na chamada "cultura letrada" não tem ainda
duzentos anos; no entanto, os progressos tecnológicos já nos permitem
transitar de forma mais ou menos ágil dentro da chamada "sociedade da
informação". O senhor acredita que a tecnologia poderá ser uma
importante aliada na remoção de óbices que impedem o acesso das pessoas
cegas ao mundo do trabalho, da cultura, da sociedade em geral?
R. Acredito que a tecnologia converteu-se na fada-madrinha das pessoas
cegas para o acesso ao trabalho, à cultura, à sociedade. Não devemos
esquecer, porém, que além das fadas existem as bruxas. Defender as fadas
é a questão.
Desejaria ainda que o sr. me encaminhasse um rápido perfil,
envolvendo dados pessoais e dados sobre sua atuação no movimento de
cegos.
R. Nasci em 21 de outubro de 1939, e ainda não tenho a data de minha
morte. Estudei literatura. Fui presidente-fundador da FBU, da ULAC e
vice-presidente da UMC. Trabalhei em um departamento de publicações da
Universidade da República e um dos meus maiores orgulhos é que durante
vários anos compartilhei diariamente meu trabalho de jornalista e editor
com Eduardo Galeano, amigo, ponto de referência, grande disseminador de
palavras e de pensamentos. Com Judith, desfruto de um lar feliz e
aconchegante, que inclui a pequena Ainara, graciosa neta com 4 anos de
idade.
*****
Subimos escadas, percorremos compridos corredores. O intermitente
ruído de uma máquina de escrever nos adverte de que estamos diante da
porta da sala do advogado de ofício José Belarmino de Sousa, defensor
público da Terceira Vara de Fam/lia, Comarca da cidade de Bayeux.
Entramos. A máquina crepita incessantemente. Em volta do birô do
advogado, uma pequena multidão de pessoas humildes, senhores idosos,
jovens grávidas, mulheres de meia idade, seguram papéis em silêncio,
olhando para aquela cena de um homem que escreve, escreve, sem descanso.
José Belarmino de Sousa, 47 anos, é o único defensor público cego em
atividade na Paraíba, desde 1982. Da sua velha máquina de escrever, já
saíram mais de dois mil processos de sua própria lavra, afora aqueles
processos em que teve que substituir colegas. Essa reportagem resume os
quase vinte anos dessa história, em que o caus/dico tem arrolado
milhares de experiências. Aprendeu a deslindar um dicionário popular
para a nomenclatura jurídica. Conheceu a discriminação e o preconceito,
advindos da parte dos próprios colegas; entre "titelas" e "varais",
"furatelas" e "escorpiões", ensina ao mundo jurídico, a antiga lição de
coragem que aprendeu do seu próprio pai.
Numa noite longínqua da infância, quando já eram meia dúzia os
filhos cegos de Mariano Belarmino que dormiam nas alvas redes compradas
na feira, o pai fitou os rostos infantis e perdeu o sono. No dia
seguinte decidiu procurar o juiz da Comarca de São José do Egito,
Município ao qual pertencia o distrito de Itapetim, para aconselhar-se.
Tirou respeitosamente o chapéu em frente do dr. Inácio Valadares e
disse que queria colocar os filhos cegos na escola. O juiz se riu
daquela cara magra, daquele desejo e sentenciou: "compre violas, compre
sanfonas. Ande com seus filhos pelas feiras, a pedir esmolas, e o senhor
vai ficar rico em um ano".
*****
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Telefax (0xx83) 225-3377
Edição:
Joana Belarmino
Revisão:
Lusia Maria de Almeida e Maria do Socorro Belarmino
Impressão e encadernação:
Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha
Colaboração:
José Alberto de Melo
Av. João Rodrigues Alves, No. 50, Bloco G, Apto. 101,
Condomínio Sombreiro, Bancários,
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e-mail: pandora00@uol.com.br
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Esta edição, se realiza ainda sob os ecos da grande conquista que
marcou o movimento associativista dos cegos na Paraíba. Em janeiro
último, por uma decisão que demonstrou amadurecimento e vontade de
crescimento, a Sociedade dos Cegos da Paraíba - Socep e a Associação
Paraibana de Cegos - Apace, fundiram-se em uma única Entidade de
representação das pessoas cegas no Estado.
Este é pois, o presente da Apace para você, amigo leitor! Veja nas
próximas páginas de Entrelinhas, como estamos, o que somos. Conheça um
pouco da nossa luta por melhores dias para as pessoas cegas, sonhe e
construa conosco o presente que perseguimos, a fim de que ele seja pleno
de conquistas!
Entrelinhas não se responsabilizará pela devolução dos artigos
recusados.
Agradecemos sua participação!
(Reportagem de Joana Belarmino)
Em diversas das comunicações ali apresentadas, ficou patente o fato
de que se vive no Brasil, um contexto de transição com respeito à
política de produção braille. Acha-se em franca expansão no país, o
projeto de implantação dos Centros de Apoio Pedagógico (Caps), através
dos quais o Governo Federal está dotando escolas, bibliotecas e-ou
serviços especializados com equipamentos de produção, impressão e
distribuição do livro didático, assim como de diversos outros serviços.
Os Caps prometem descentralizar a produção braille no Brasil, que
até pouco tempo achava-se concentrada nos grandes centros como Rio de
Janeiro e São Paulo.
Parece pois, evidenciar-se a curto prazo, uma nova tendência no
contexto da produção do braille, com predomínio para a chamada produção
informatizada, através de impressoras de médio porte. Essa nova
tendência deverá pontuar desafios e problemas novos. Sobretudo a
manutenção e durabilidade dessas novas máquinas de impressão são os
problemas mais visíveis desse novo contexto, os quais exigem
compromisso e "vontade política" dos futuros governantes que estiverem à
frente dos destinos do País nos próximos anos.
A estrutura dos Caps já chegou a todas as capitais brasileiras e em
sua segunda fase, conforme assegurou durante o Simpósio, a Secretária de
Educação Especial, profa. Marilene Ribeiro dos Santos, alcançará os
diversos municípios do interior do Brasil, materializando a política
proposta pelo Ministério da Educação, que tem como slogan, "uma escola
para todos".
"Colocar o livro didático na mão do estudante cego e de baixa
visão", essa é, segundo Marilene Ribeiro, a grande meta da sua
Secretaria na atual gestão. Os debates sobre o assunto travados durante
o Simpósio demonstram bem o tamanho do desafio a que se propõe o Governo
Federal. Custos de impressão do braille, a qualidade do texto produzido,
a necessidade de capacitação competente de profissionais para atuarem
nesse novo mercado que se abre com a implantação dos Caps, essas são
algumas das frentes a serem atacadas pelo projeto.
O Simpósio apresentou ainda, polêmicas de ordem mais subjetiva, a
exemplo do problema da adaptação dos livros didáticos. Além dos
obstáculos legais, impostos sobretudo pela Lei Brasileira de Direitos
Autorais, há ainda a necessidade de se considerar uma reflexão profunda
quanto aos resultados das adaptações dos livros. Há que se considerar o
universo tátil, com toda a sua complexidade, assim como o contexto
sócio-cultural daqueles que serão os usuários diretos dessas adaptações.
Índice
1- Operacionalização do Catálogo Coletivo
Coordenação: Sub-Comissão Brasileira de Bibliotecas Braille - FEBAB
(Marília Mesquita Guedes Pereira) e-mail
marilia@bc.biblioteca.ufpb.br
O laboratório que tem por nome "Laboratório de Informática Professor
Adilson Ventura", numa homenagem ao presidente da UBC, promete
qualificar o ensino de crianças cegas no Instituto, que com os novos
equipamentos ingressa de vez na era tecnológica.
Índice
Índice
Mariano engoliu seu desapontamento e deixou a sala do juiz em
silêncio. Procurou o padre da cidade, João Leite, que sabia de uma
escola para cegos na cidade de João Pessoa.
Alguns anos depois, quando já andava pelo terceiro volume do livro
"Meu Tesouro" em braille, José Belarmino escutou a antiga história do
juiz e prometeu a si mesmo que seria advogado, que um dia ficaria frente
a frente com o doutor Valadares para lhe dizer: "Veja, doutor, no que
deram as suas violas e as suas sanfonas".
É certo que nunca encontrou Valadares em pessoa. ele morrera algum
tempo depois daquela sentença. O mundo jurídico porém, é farto em
senhores Valadares, que têm podido aprender do advogado cego, a antiga
lição de coragem. Com um salário líquido de pouco mais de 1500 reais,
José Belarmino diz que está "cansado", mas na sua mesa não param de
chegar processos. Só no último mês de março, deu entrada em 57
processos na vara de família, foi a diversas audiências em munic/pios
vizinhos, substituiu colegas em processos nas varas da família e
criminal. Confessa que seu ramo predileto de atuação é a vara de
família. Concluiu o curso de Ciências Jurídicas na Universidade Federal
da Paraíba e especializou-se na mesma universidade na área do direito
civil. Como defensor público, já ocupa a terceira entrância, último
degrau da carreira de advogado. A cegueira lhe atrapalha no exercício da
profissão, pergunta-lhe a reportagem de Entrelinhas: "Atrapalham os meus
próprios colegas, que me discriminam, por conta da cegueira. Muitas
vezes soube de colegas que aconselharam clientes a não me procurarem
para defender suas causas. Mas a coisa funciona quase como uma
contra-corrente. Os clientes, quando têm seus processos bem sucedidos,
vão espalhando que na comarca de Bayeux tem um advogado cego muito
famoso". Quanto mais fama, mais trabalho. "Ando meio cansado".
Encravado entre a capital, João Pessoa, e a cidade aeroportuária,
Santa Rita, o município de Bayeux, que herdou seu nome dos tempos da
colonização francesa abriga uma população estimada em 110 mil
habitantes. São operários de indústrias de cisal, pequenas fábricas de
produtos químicos, confecções, entre outras. No tete a tete com o Doutor
Belarmino, exibem o seu dicionário popular para a complicada nomeclatura
jurídica dos seus processos. Conta o advogado: "Num processo de tutela,
é comum o cliente falar em titela. Curatela vira furatela. Usucapião
fica sendo escorpião".
E lembra-se da vez em que solicitou a uma cliente: "Por favor,
assine sua rubrica nas folhas do processo", ao que ela respondeu: "Mas
Doutor, meu nome é Maria José".
Ele admite que por muitas vezes teve que pagar as xerox que deviam
constar dos processos dos clientes. "Naquela comarca, e em outras onde
trabalhei, como em Boqueirão, e em Cajazeiras, o advogado é uma espécie
de clínico geral, de psicólogo, muitas vezes de pai".
Por algumas vezes, o advogado teve que enfrentar "Valadares" em sua
vida pública. "Um dia, em uma audiência particular, num Município do Rio
Grande do Norte, cheguei à sala de sessão e percebi um clima de
desapontamento da parte do juiz, quando me disse meio sem jeito":
"Sente-se, ceguinho"! De pronto agradeci: "Muito obrigado, senhor
juizinho". Durante toda a audiência senti um clima muito pesado entre as
partes. Na saída o juiz pediu-me para que ficasse um momento: "Por que
chamou-me de juizinho, Doutor?" E eu: "Por que chamou-me de ceguinho,
doutor?"
Dois casamentos, quatro filhos. Nas horas de folga, o advogado leva
a família para a praia e esmera-se em cultivar com boas canecas de
cerveja uma barriguinha que cresce a olhos e "dedos" vistos. Se pinta um
bom violão, solta a voz de seresteiro, imitando Nelson Gonçalves:
"Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim".
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Joana Belarmino
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