CANTINHO DA PANDORA.




A Carta de Caminha

Por Joana Belarmino

Majestade! Ainda vejo e ouço e cheiro e apalpo as coisas do Brasil.
Hoje, 21 de janeiro de 1999, faltando ainda algumas centenas de dias para o descobrimento, preciso encontrar palavras para falar de silêncio, um silêncio retumbante a ecoar pela terra. Vossa Majestade sabe que instalei-me ontem, de pena em punho, no Congresso Nacional, para também flagrar aquele acontecimento.

As câmeras abriram seus minúsculos microfones, as máquinas de fotografar exibiram seus lânguidos flashs, ao modo de línguas prontas a invadirem as bocas abertas, no entanto, câmeras e máquinas engoliram em seco.
Paletós compostos, lábios frisados, foi com um silêncio retumbante que os mais de quinhentos deputados encerraram ontem a votação do desconto de aposentados e pensionistas para a previdência brasileira.
O Brasil já havia gritado antes, mais cedo da tarde, a cem mil bocas no Maracanã; a cena midiática porém, tinha se preparado para aquele brado novo, aquela explosão poderosa que emprestaria mais um selo de verdade para mais uma das inúmeras falácias do governo FHc, brado pronto a orquestrar a dança macabra de um país que se curva para o chão, irremediavelmente.
E eis que o silêncio foi a única notícia do dia seguinte. As câmeras, os flashs fotográficos, as agências de notícias, ninguém havia se preparado para aquele grito às avessas, rasgando entranhas, plantando nas caras estranhas impressões, intraduzíveis para a superfície do discurso midiático.

Eu próprio Majestade, o que poderia assinalar depois do painel eletrônico haver encerrado a contagem, depois do Presidente da Câmara haver proclamado o resultado? Lembrei-me da época da Independência, pensei no Grito do Ipiranga e só me pôode acudir essa pobre metáfora, que agora rabisco a medo (nem sei se lhe envio essa missiva), essa pobre metáfora a presumir que aquele silêncio de hoje bem podia ser o eco às avessas da fala de Dom Pedro "Se é para o bem de todos, e felicidade geral da nação, digo ao povo que fico"! o eco que não vem das serras, nem se banha no rio, Vossa Majestade, mas esperneia por entre os neurônios dos parlamentares, estertora em seus peitos por entre as franjas de fumo, imiscui-se por baixo do discurso do presidente a dizer "Se é para o bem das bolsas e a saúde do capitalismo, se é é para a honrra de nossos compromissos com o FMI, digo ao povo brasileiro que morra!"

Sendo assim, Majestade, temo que quando aportar aqui a nova fragata, serão necessárias muitas pás e enxadas, para um descobrimento novo; descobrimento de cadáveres que não morreram em batalha, lutando pela pátria amada;morreram porque foram coagidos a um "ajoelhamento" coletivo que os petrificou, os anulou, em defesa de um código de valores que eles não escolheram. Pudesse eu ter o dom da pintura e lhe anteciparia uma réplica desse quadro macabro; homens, mulheres, crianças, velhos, muitos velhos, todos de joelhos, petrificados, com lágrimas de pedra nas covas dos olhos. Não, Vossa Majestade, não vou olhar para trás, pois corro o risco de também virar estátua. Sendo assim, só me resta pedir-lhe desculpas por esse discurso canhestro e encerrar minha narrativa com meu silêncio pleno de angústia.

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