Docarmo abandonou-me numa quinta-feira de novembro, em plena manhã,
depois de haver demonstrado de todas as formas que me odiava!
Um ódio que surgira aos poucos, essência que se misturava à uma
espécie de calda de amor e cumplicidade, pudim de gosto levemente acre.
Primeiro seu suave ódio abateu-se sobre as minhas panelas da
tramontina, 25 anos de garantia; quando Docarmo chegou à casa, podia
mirar-se nas minhas panelas, de tão brilhantes!
Aos poucos fui comprovando pequenas infiltrações do seu ódio por
outras sessões da casa. As roupas eram cuidadosamente dobradas no
guarda-roupa, mas... em sua maioria não tinham sido passadas. Também
punha em prática lições de economia pouco proveitosas. Economizava no
sal da carne e de manhã me apresentava um café bem clarinho! A fatia do
queijo, de fina que era, se quer impedia a revolta do meu estômago,
rosnando suas sílabas de injúrias contra Docarmo.
Foi-se na quinta-feira, levando suas roupas na minha mala de viagem
e um riso irônico a ocultar-se na falha dos dentes.
Agora Zuleide me prepara o macarrão do almoço e tenta provar que me
ama. Entrou no meu quarto de vassoura em punho e para me poupar de
doenças respiratórias, recuou minha cama para o canto, perto da janela.
Me prepara chás de manhã, porque acha que estou nervosa. Enquanto
eu descanso, depois de um almoço leve, Zuleide me prepara a primeira
lista das suas exigências, tudo por amor, pelo bem da casa! Quer que eu
compre um sabão em pasta que vai devolver a condição de espelho às
minhas panelas; quer uma churrasqueira e uma travessa grande, para a
lasanha do sábado.
Nas suas lições de amor, apenas um pequeno deslize. Na ânsia de
recuperar a cor da minha cafeteira melita, Zuleide quebrou sua jarrinha
de vidro. Coisa sem importância. "Custa somente vinte e seis reais", me
disse ela, quase em lágrimas, a juntar os dois pedaços do objeto do meu
maior culto na cozinha, a pedir, numa prece secreta, que suas mãos
pudessem fazer o milagre de colar os fragmentos.
Tudo por amor, eu sei. Tudo por amor.
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