CANTINHO DA PANDORA.




Cantiga para Ninar Moleque na primeira noite em que dorme sua liberdade

(homenagem a Gesuel Tonon, em 23 de novembro de 2000,

segundo dia do seu transplante de rim e pâncreas).

Os grilos se calaram para escutar o segredo da noite. Segredo que ela contava vibrando nas plantas uma brisa de nada; segredo que ela contava fazendo da luz, na areia da praia, onda e cor, cor e onda; segredo que ela dizia no intervalo entre o antes e o depois, no agora, agora que os grilos teimavam em querer pegar nas pontas das suas antenas. Em vão. Mas um agora, tonto de pena dos grilos, parou no seu giro, antes de ser instante passado e arrulhou-lhes o segredo da noite:
Vai nascer uma estrela.
O que, disseram os grilos, o que? O agora passara para que outro agora fosse sopro de brisa na cara dos grilos. Somente o grilo marrom tinha escutado o segredo da noite e se pôs de novo a cantar, chocalhando as sílabas entreo antes e o depois dos seus cris.
Vai nascer uma estrela. Vai nascer uma estrela.
Os outros escutaram a música nova do grilo marrom e gritaram: Estrelas nascem todas as noites. E o grilo marrom, inconsciente, hipnotizado, repetia:
vai nascer uma estrela. vai nascer uma estrela.
Aborrecidos, os outros afastaram-se daquele cricri e se entalaram nas suas brechas prediletas, a repetir a fala de todas as noites.
Sozinho no seu canto, o grilo marrom foi repetindo o segredo da noite e a cada vez que cantava, vai nascer uma estrela, o céu ia se pintando de arcoíris, de leve, levinho, aprontando todas as cores, num belo arcoíris, a cada vez que o grilo marrom cantava. E o arcoiris, refém das suas sete cores, ficou ali no céu, motando guarda, para a estrela que ia nascer.
Na vigésima segundanoite a estrela nasceu. Limpou-se da poeira cósmica e mergulhou de bico no arcoíris. Me leva pra casa, disse na sua voz de metal menino. O arcoíris ajeitou-se todo em volta da estrela, derramando um pouco do seu azul nas bordas do espaço, azul que a estrela apanhava aos bocados e metia na boca, lambendo os dedos descaradamente. Voaram os dois, arcoíris e estrela, zunindo alegria nos píncaros do mundo.
E somente o grilo marrom entendeu porque é que de manhãzinha, a terra acordou e dançou um roque pesado, sob os protestos do sol, que espiava, espiava, a estrela brilhando, brilhando.
Uma estrela nova feita de ternura, tonta de vontade de comer queijo de Minas, a estrear sua nova condição de estar no mundo, plena de liberdade.

VOLTA AO ÍNICIO DO TEXTO

VOLTA A PÁGINA ANTERIOR





Para contato: Joana Belarmino

PÁGINA PRINCIPAL

Dê-nos sua opinião



Visite-nos sempre...

Reinvente o seu modo de "ver" o mundo a través da leitura...

Envie suas críticas e sugestões...