"Pequena mosca,
Com minha mão
Bruta, cortei
Teu jogo vão.
Não serei, mosca,
Um igual teu?
Ou nào és tu
Homem, como eu?
Pois amo a dança,
Canções, bebida,
Até que a mão cega
Me corta a vida."
No Brasil eles ainda são muito poucos. Se deixam estar por horas
a fio em pequenos cubículos de apartamentos ou em salas condicionadas de
bibliotecas. Vibram por dentro, a música de estarem abrindo um caminho
entrançado de sílabas, palavras, frases e silêncios. Vibram por fora a
continua faina das suas máquinas, a guardarem em pacotes e pacotes de
bits o produto dessa faina. A pouco mais de 150 anos eles não teriam
sido pensados pela cultura tiflológica, mas por certo portam o
mesmo virus da paixão que impulsionou braille a trazer o mundo
legível até as pontas dos nossos dedos; por certo carregam a mesma febre
de homens e mulheres que escreveram a prego e papel, os primeiros
livros em alto relevo, ou engendraram em seus rostos o sorriso de
vitória por verem rugir as primeiras impressoras braille. Eles
são os digitalizadores de plantão, um tipo psicológico, sociológico,
informático, cultural. Personalidades que se instituem e se
constituem em zonas de tensão entre profissionalismo e amadorismo,
pedreiros de uma nova arquitetura em que o cimento fundamental são as
letras, alucinados e amantes de livros e livros que sopesam entre mãos
trêmulas, e que ato contínuo, se põem a desbravar, página por página,
criando eles próprios a métrica de uma poesia nova cujo único estatuto
fundante é a paixão. Uma confraria que se organiza sem as pêias
do formalismo; um pequeno grupo que compartilha o delírio, as horas
insones, sem pedir nada pelo produto, a não ser o espaço das contas
intervox, caec, starmedia. Pudéssemos olhar melhor para eles e
veríamos seus traços comuns, seus distintivos. Há os detalhistas,
perfecionistas, geralmente amantes da filosofia e da cognição. Esses
aferram-se aos livros digitalizados e só os largam depois de haverem
passado pentes finos, extra finos, super-finos, micro-finos. Há
os divisionistas, subgrupo dos amantes da filosofia, ocupados em
distribuir as obras digitalizadas em capítulos, cada uma em pasta
específica, todos os livros arrolados depois em lista. Os quantitativos
estão sempre voejando como moscas, de uma obra a outra. Querem logo
entregar o produto e que seja muito. E vibram e batem nas costas dos
divisionistas, contando da última remessa. Para esses não há a
penteagem rigorosa, por isso sonham com um tempo em que os scaners
serão máquinas precisas, com %100 de acertos em seus reconhecimentos.
Das suas máquinas pode sair de tudo. Literatura, história, poesia,
receitas. Desovam nos micros dos outros, obras que podem ser primores de
digitalização, ao lado de outras crivadas de ~~+%#//, fazendo do texto
uma incompreensível babel de sinais (culpa dos softwares, que se
há-de-fazer?) Sào uma turba doente de alegria, que sonha com imensas
bibliotecas digitais onde se possa achar de tudo para aplacar a sede de
leitura. De lábios apertados experimentam pela centésima vez a
emoção de acabar um livro. E recomeçam de novo a dança de estarem
ali curvados, no dia seguinte, na hora seguinte, e o brilho da
paixão é de novo a força de fazer o tecido do mundo em leitura para
todos.
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