Não se trata da voz de Lorena Mc nith, q gira suavemente no gravador.
Não é a música da feira, puro minimalismo de experimentar sons;
tampouco a música atonal dos que partiram de Nauru, compondo sem saber,
o tom amargo da angústia de deixar a ilha; ***1.
O que nascerá desse silêncio, que de repente, sem nenhum aviso, rebenta
em marteladas, arrastões, gritos e esfarelar de vidro sobre o cimento
da cozinha??? Já ouvimos estes sons antes. A casa falando sua rotina,
os móveis afirmando impunemente sua geografia de estarem no mundo da
ordem, guardando as cifras da ordem,
sendo esse modo reticular de estar no mundo em que os dias e as noites
não nos causam qualquer estranhamento. Já ouvimos a música de acordar e
repetir os gestos e as notas do amanhecer. Nunca como agora ela nos
impressionou tanto. Uma música feita de pausas e batidas e líquidos
escorrendo sorrateiramente para os seus depósitos; pausa para escutar o
barulho que fará o último gole de café, a deslizar pelo estreito do
ezôfago.
tons superpostos, desordem inconcebível de notas harmonicamente
articuladas. Há que se raspar a crosta da melodia mais audível, para
penetrar a camada dos sons insuspeitados, os inaudíveis, os que se
imiscuem em qualquer fresta de canção, para serem lembrança do gesto que
já foram, para serem rememoração do acontecer puro e genuíno que se
escapou no vórtice veloz do real imparável. Aristótelis, Descartes,
Comte, todos os que anteviram nosso caminhar em linha reta, num mundo
onde tudo o mais se move em círculos, por certo não souberam nem por um
instante mergulhar na circularidade dessa dança cósmica, por certo não
quiseram reinventar os fios e conexões que nos sorvem e absorvem
irremediavelmente na dança cósmica feita de apego e desapego, parar e
caminhar, e caminhar, e caminhar... ???
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Sob a cúpula do meu coqueiro, nenhum testemunho das conversas desfiadas
entre palha e brisa, palha e brisa que me vinha afagar o corpo estendido
na cama. a terra do quintal espreme as últimas lembranças do que
caminhei, inventando trilhas de passar o tempo, porteiras de chegar a
lugar algum, esquinas de me sentir tranquila, em paz comigo mesma. a
casa recolhe o que terá de ser seu. Algum cheiro, alguma mancha no
assoalho, um naco de poesia esquecido num velho sesto de vime. Caminhar,
caminhar, para o mergulho no movimento comum da vida, reinventando cada
instante dessa música de fundo que se muda, que se traveste em nota e
silêncio, onda e cor, dessa música que me muda e me faz lágrima e riso,
calma e espanto, alegria e tristeza de deixar a casa.
Joana Belarmino.
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