CANTINHO DA PANDORA.




Date: 30 de agosto de 1998.

A Música de Fundo

Não se trata da voz de Lorena Mc nith, q gira suavemente no gravador. Não é a música da feira, puro minimalismo de experimentar sons; tampouco a música atonal dos que partiram de Nauru, compondo sem saber, o tom amargo da angústia de deixar a ilha; ***1. O que nascerá desse silêncio, que de repente, sem nenhum aviso, rebenta em marteladas, arrastões, gritos e esfarelar de vidro sobre o cimento da cozinha??? Já ouvimos estes sons antes. A casa falando sua rotina, os móveis afirmando impunemente sua geografia de estarem no mundo da ordem, guardando as cifras da ordem, sendo esse modo reticular de estar no mundo em que os dias e as noites não nos causam qualquer estranhamento. Já ouvimos a música de acordar e repetir os gestos e as notas do amanhecer. Nunca como agora ela nos impressionou tanto. Uma música feita de pausas e batidas e líquidos escorrendo sorrateiramente para os seus depósitos; pausa para escutar o barulho que fará o último gole de café, a deslizar pelo estreito do ezôfago. tons superpostos, desordem inconcebível de notas harmonicamente articuladas. Há que se raspar a crosta da melodia mais audível, para penetrar a camada dos sons insuspeitados, os inaudíveis, os que se imiscuem em qualquer fresta de canção, para serem lembrança do gesto que já foram, para serem rememoração do acontecer puro e genuíno que se escapou no vórtice veloz do real imparável. Aristótelis, Descartes, Comte, todos os que anteviram nosso caminhar em linha reta, num mundo onde tudo o mais se move em círculos, por certo não souberam nem por um instante mergulhar na circularidade dessa dança cósmica, por certo não quiseram reinventar os fios e conexões que nos sorvem e absorvem irremediavelmente na dança cósmica feita de apego e desapego, parar e caminhar, e caminhar, e caminhar... ??? --- Sob a cúpula do meu coqueiro, nenhum testemunho das conversas desfiadas entre palha e brisa, palha e brisa que me vinha afagar o corpo estendido na cama. a terra do quintal espreme as últimas lembranças do que caminhei, inventando trilhas de passar o tempo, porteiras de chegar a lugar algum, esquinas de me sentir tranquila, em paz comigo mesma. a casa recolhe o que terá de ser seu. Algum cheiro, alguma mancha no assoalho, um naco de poesia esquecido num velho sesto de vime. Caminhar, caminhar, para o mergulho no movimento comum da vida, reinventando cada instante dessa música de fundo que se muda, que se traveste em nota e silêncio, onda e cor, dessa música que me muda e me faz lágrima e riso, calma e espanto, alegria e tristeza de deixar a casa.
Joana Belarmino.

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