Quase meio dia, e o vento insiste em uivar suas sílabas de setembro
livre, indisciplinado sobre Jampa, suas vidraças e telhados. Acabei de
ler "Viagem Vertical" de Enrique Vila-matas. Não quero que as emoções de
agora se me evaporem, sem que possa compartilhá-las com meus amigos., Vã
tentativa esta de recuperarmos o lido num discurso coerente, de criarmos
uma linha contínua e firme onde o leitor possa encontrar compreensão e
identificação com o romance. Que se perca cada um de nós,
irremediavelmente, e invente a cada instante, novos mundos onde possa
firmar o pé, e que desse mundo inventado escape-se cada um para um
afundamento sem remédio, para um afastamento de si mesmo, para um
reencontro com um si mesmo novo, mistura de antigo verdadeiro e de
invenção reconstruída.
A história de Federico Mayol é isto. Um constante escapulis-se de si
mesmo, um frequente submergir em si mesmo, numa ilha de sentimentos
nevrálgicos em que ao mesmo tempo em que topa com o mundo de fora,
afasta-se do outro para reencontrá-lo num si mesmo, encharcado de uma
profunda solidão, produto bruto, matéria original, de onde extrai uma
vaga alegria, uma tênue paixão de estar vivo, despegado, vivo, apegado,
vivo, à procura da morte, vivo, à procura de Atlântida, ilha metafórica
onde espera cozinhar para sempre a sua indisciplinada cultura.
Viagem vertical não é um livro fácil. Exige um leitor esperiente, que
já tenha se esmerado em transitar por mundos paralelos, artimanhas em
que nos mete Vila-matas, centrifugando-nos em longas narrativas de
aparentes banalidades, para nos despegar de repente e nos atirar em
cavernas profundas de reflexão, a nos entregar, como quem não quer nada,
espelhos desfocados em que nos entremiramos. , a inventar sorrisos de
mistificação. Leitor experiente? que metáfora é esta que estou eu a
empregar? O livro de Mayol, escrito por Vila-matas, pode ser lido por
qualquer um. O livro de Federico, a história de sua luta por inventar a
cada dia uma nova pele por onde se enfiar, o livro de Vila-matas é assim
como uma poltrona vazia onde nos instalamos para contemplar a vida, uma
poltrona vazia onde nos instalamos para tocar o mundo de fora com o pé,
e vê-lo desenrodilhar-se como uma velha serpente, a cutucarmos por
dentro, a despegar camada por camada uma vida interior que se nos
habita, e é tão pouco conhecida de nós.
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