Sinfonia em Branco


O título de um livro é sempre uma cápsula de promessas. Gosto de contemplar o título de um livro antes mesmo de o ler, antes de cheirar páginas novas que quase recusam-se à entrega da leitura, do desbravamento. O título de um livro, pequeno arranjo de palavras escolhidas a dedo, para tentar transpor o que ele reserva, o que conserva, os labirintos e abismos que nos abrirá, por entre as páginas abertas. Foi assim com A Sinfonia em Branco, de Adriana Lisboa. O título envolveu-me como casulo tênue, mas tepidamente a apertar-me a curiosidade, abraço sensual a espreitar insuspeitadas carícias. E de pronto a autora entregou-me sua história precisa, cirúrgica, aliciante dizer das coisas duras com palavras exatas. Também entregou-me logo, sem reservas, a sensual carícia das metáforas. As metáforas são abundantes na obra de Adriana Lisboa. As metáforas, ao modo de pinças, a fisgarem o mundo de fora e o mundo de dentro, a envolverem a natureza vivva, e mesmo a suposta morte das coisas, numa saudável e promíscua convivência. E outras agradáveis surpresas nos são de pronto entregues sem reservas. A narrativa de Adriana Lisboa, a transpirar um saboroso hálito de juventude, impõe-se com sua estrita vinculação à escritura, ao romance, ao narrar escrito, reconfirmando a vividez da boa literatura, mantendo nesse laço delicado, o traço do realismo e do lírico, do metafórico e do poético, como borboleta multicor a tingir o cotidiano de poesia.

O bom romance talhado em letra viva, indo e vindo, voltando atrás para repetir a linha de antes, dar-lhe outras palavras, criar com a palavra o silêncio e a dor, costurar a angústia num texto indelével, denunciar o tumultuoso som do monstro a raspar a porta por entre os sons da sinfonia em branco.O branco, cenário para uma paz aparente, a exibir, como pequenas formigas em madeira, a latente desordem das relações, dos dramas de família, das emoções represadas, prontas para vazarem e tingir de cinza quebradiço o tênue equilíbrio. Uma sinfonia que quase sussurra, porque prepara-se para um alastramento, alastramento lento e gradual, branco que se tinge de pontos de alguma sujidade indecisa. cinzento quebradiço a estriar-se pouco a pouco de horror, imensa borboleta travestida de monstro a raspar as comportas da alma, a pedir passagem, um gesto absoluto a tatuar o pulso com a ferida da suposta liberdade. O estrondo do horror. o silêncio. O eco tenebroso da morte a reinventar de novo uma sinfonia em branco.




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