Elizabet Dias de Sá
A idéia do rapel surgiu no ambiente da Academia onde faço
hidroginástica. Dentro da piscina, fico ao lado de Cláudia que me
orienta durante a realização dos exercícios. Ela é estudante de
educação física e tem experiência com rapel, escalada e outros
esportes da natureza. Sendo a primeira vez que orientava a uma pessoa
cega, ela ficou empolgada e propôs a atividade de rapel. Organizou
uma equipe com quatro amigas e seguimos para os arredores da Gruta da
Lapinha, uma região próxima de Belo Horizonte, cercada por rochas,
cavernas, trilhas, escavações e montes.
o primeiro obstáculo enfrentado foi o de descobrir o caminho até o
paredão que estava obstruído. Atravessamos uma cerca de arame e
Seguimos por uma trilha de cascalho. Fiz o trajeto guiada por uma e
por outra e elas me avisavam quando havia pedras grandes e irregulares em
minha frente ou folhas e galhos secos que pendiam sobre nossas cabeças.
Ao chegar no alto do paredão, explorei as enormes pedras rochosas e
percebi diferentes ângulos e formas. uma delas lembrava uma cascata
sem água.
Fazia muito calor e eu não conseguia me livrar dos zumbidos e
picadas de mosquitos e pernilongos. Sentia cheiro de mato, ouvia o
pio de pássaros e uma cantoria ao longe, enquanto observava o aparato
do rapel e a preparação dos instrumentos. Depois de escolher um tronco
de árvore, atar cordas e fixar ferrolhos em pontos estratégicos, Cláudia
mostrou-me cada peça do equipamento, sua característica e função.
Enfiei as pernas em uma espécie de gangorra com tiras resistentes
que formavam um cinturão apertado e preso ao gancho da corda amarrada ao
tronco. Preparei-me para descer atrelada ao equipamento de Cláudia.
não foi fácil fazer a travessia para alcançar o paredão, pois havia um
declive e corríamos o risco de despencar uma sobre a outra. mas,
Simone ficou lá em baixo encarregada de segurar a extremidade da corda
e travá-la quando necessário.
No início, foi difícil manejar a corda para deslocar-me e permanecer
sentada com as pernas abertas e as pontas dos pés a palmilhar o
paredão rugoso e acidentado. Cada vez que afrouxaba a mão, a corda
deslizava e eu sentia um baque. Ao mesmo tempo, meus pés
escorregavam para se fixarem em um novo ponto e eu me sentia
novamente segura. Por vezes, abria demais a mão e era
fisgada pela trava da corda. Ouvia as instruções de Cláudia e
retomávamos a descida. Assim, descemos lado a lado, palmo a palmo.
Apesar do desconforto e das oscilações do corpo, mantive a calma e
não senti medo. Confiei em Cláudia e procurei concentrar-me na
atividade. Ao pisar no chão, senti a maciez de um tapete de folhas
secas debaixo de meus pés, o que me deu uma sensação de prazer e de
conforto. A escalada me pareceu mais curta e menos perigosa do que eu
imaginava.
para uma de minhas colegas da hidroginástica, eu tive coragem de
arriscar porque não enxergo e, assim, não percebo a dimensão do perigo
iminente. Segundo outra amiga, esse comentário encerra uma meia-verdade.
E eu fiquei com a impressão de que transitar pela cidade amparada por
uma bengala é mais perigoso do que fazer rapel.
Elizabet Dias de Sá
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2003.