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Textos de Elizabet Dias de Sá


Necessidades Educacionais Especiais na Escola Plural


Uma das noções mais difundidas na realidade brasileira é a de que a rede pública não está capacitada para receber crianças com necessidades educacionais especiais, seja por deficiência física, sensorial ou mental. Por isto, a educação especial tem-se mostrado como uma espécie de limbo, para onde são encaminhados os educandos considerados ineptos ou incapazes de aprender, espelhando as mazelas do sistema educacional. Ora, tais educandos mostram-se ineptos do ponto de vista de que e de quem? Parecem incapazes de aprender o quê? Por quê? para quê? Estas e outras questões suscitam uma reflexão sobre a ação pedagógica, a problemática da função social da escola e os mecanismos de inclusão/exclusão social. A deficiência tem sido concebida como condição incapacitante e impeditiva, inspirando atos de caridade, proteção e filantropia. O enfoque assistencial e o terapêutico, predominantes nas tentativas de escolarização de crianças com necessidades educacionais especiais, têm evoluído da negação ao reconhecimento do direito sob condições, ou seja: tais alunos devem aprender em ambientes os menos restritivos possíveis, mediante adaptações física, funcional e curricular. Nesta perspectiva, a contemporaneidade produz o confronto entre dois eixos paradigmáticos e emergentes: o da integração e o da inclusão escolares. No primeiro caso, o aluno é o foco central, tendo como referência sua capacidade ou não de adaptar-se à escola. Para isto, devem ser viabilizadas modalidades educacionais como suporte pedagógico, indispensáveis às exigências do desempenho escolar esperado. O aluno deve freqüentar a escola regular, se houver um aparato de condições disponíveis, como recursos materiais e humanos, atendimentos terapêutico e reabilitatório. Em decorrência, poucos conseguem permanecer na escola, interrompendo o percurso escolar ou fortalecendo um vínculo de dependência com a Instituição especializada. Práticas seletivas e excludentes contribuem para ampliar a casuística de insucesso nas escolas, servindo como justificativa da resistência por parte de pais e educadores à idéia da inclusão escolar. Não raro, são evocados exemplos de situações traumáticas e mal sucedidas em relação às tentativas frustradas de integração, que acabam por deixar o aluno relegado à própria sorte no ambiente escolar. Os pais costumam exprimir, em depoimentos impregnados de exaltação e angústia, a intenção de evitar que seus filhos sejam tratados como "cobaias" de pretensas tentativas de integração nas escolas regulares. Ao mesmo tempo, experiências bem sucedidas costumam ser ignoradas ou atribuídas ao esforço pessoal, à persistência do aluno e/ou da família, aliados à boa vontade, à dedicação e ao dinamismo da professora. Dificilmente, são apontadas como responsabilidade do coletivo da escola. O paradigma da inclusão escolar desloca a centralidade do processo para a escola, tendo por prinçípio o direito incondicional à escolarização de todos os alunos nos mesmos espaços educativos. Produz uma inversão de perspectiva no sentido de transformar a escola para receber todos os educandos com suas diferenças e características individuais. A concretização desta possibilidade não dispensa o adequado aparelhamento da escola e a capacitação docente. Reconstruir uma escola exige a revisão de posturas e concepções, o reordenamento do trabalho pedagógico e o investimento vultoso em estruturas includentes. O ideário da inclusão deve ser concebido como intervenção no real, isto é, não se deve admitir que o alunado permaneça do lado de fora, esperando a escola ficar pronta para recebê-lo. Trata-se de mantê-la completamente aberta para aprender com a diversidade e a partir dela. Para isto, será necessário quebrar resistências, remover barreiras físicas e atitudinais, enfrentar conflitos e contradições, rever estratégias de aprendizagem com ênfase na construção coletiva. A "Escola Plural" baseia-se nos princípios fundamentais de uma educação que visa assegurar o acesso e o percurso escolares bem sucedidos a todos os educandos em uma escola qualitativamente capaz de responder aos desafios da heterogeneidade. Para isto, a noção de educação, como direito, deve ser concebida e interpretada em sua plenitude de legado inegociável na construção da cidadania. Uma escola plural e inclusiva requer um movimento de renovação e de ruptura com velhos paradigmas e práticas maniqueístas, sendo necessário desfazer crenças e construtos internalizados dogmaticamente. A Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte enfrenta o desafio da inclusão escolar, procurando reverter o percurso da exclusão, ao investir na transformação global da escola e no redimensionamento da organização do trabalho pedagógico. A Escola Plural é construída a partir de experiências inovadoras e da ação pedagógica comprometida com o direito à educação na perspectiva da diversidade. Trata-se, portanto, de fortalecer o princípio de uma educação inclusiva, tendo como referência o educando no centro do processo e a escola como espaço privilegiado de formação e construção de conhecimento. Neste sentido, a escola construirá competências e estratégias de aprendizagem, a partir das necessidades reais do alunado. A presença de alunos com necessidades educacionais especiais na sala de aula é um fenômeno educativo que produz conhecimento e transformação. Experiências de inclusão escolar de educandos com paralisia cerebral, Síndrome de Down, limitação visual ou de audição, microcefalia, entre outras, são exemplos da possibilidade de concretização de uma escola inclusiva.

Assumindo os desafios da inclusão escolar

A Secretaria Municipal de Educação vem expandindo gradativamente a oferta de educação infantil no âmbito da rede pública. Uma destas escolas começou a funcionar em dois turnos, com um total de 176 alunos de 4, 5 e 6 anos, agrupados em turmas de 25 alunos. O projeto político- pedagógico da escola, referenciado no programa da Escola Plural garantiu a disponibilidade de 3 professoras para cada duas turmas, 4 horas de projeto para cada docente e 2 horas semanais para reunião com o coletivo do turno. A coordenação pedagógica foi constituída pela direção da escola, uma professora eleita e a orientadora educacional. Esta composição é variável e de acordo com o número de turmas em cada ciclo, no caso de escolas de ensino fundamental, organizadas por ciclos de formação. A presença de Mariana, uma aluna de 7 anos, com Síndrome de Down, desestabilizou o coletivo da escola. A aluna fora matriculada por iniciativa dos pais, que estavam insatisfeitos com a passagem da filha por duas escolas especiais. Por isso, mostravam-se apreensivos e vigilantes com receio de atitudes e indícios de discriminação. Questionavam procedimentos e contestavam qualquer possibilidade de tratamento diferenciado em relação à filha. Mariana era agitada, não parava na sala de aula, corria pela escola, atirava objetos pela janela, comia papel e cola e não tinha noção de perigo. A primeira iniciativa da escola foi a de reduzir o horário e dispensar a aluna após o recreio, com a intenção de tentar incluí-la progressivamente. Contudo, os pais protestaram por entender que se tratava de medida discriminatória e lesiva do direito à escolarização no horário previsto para todas as crianças. As professoras não sabiam o que fazer e como fazer, pois não se sentiam preparadas para lidar com uma criança com Síndrome de Down. Por isso, recorreram ao Centro de Aperfeiçoamento de Profissionais de Educação-CAPE, õrgão que coordena a política de formação na Secretaria Municipal de Educação. Representantes do CAPE participaram de reuniões pedagógicas, na escola, nas quais se construíram estratégias de inclusão. Nestas reuniões, o CAPE contribuiu com subsídios teóricos e práticos, a partir da problematização dos aspectos observados, da elucidação de conceitos, preconceitos, estereótipos e representações do senso comum acerca da Síndrome de Down, tendo em vista a formação de competências para lidar com Mariana. Além disso, foram realizados encontros entre os pais da aluna, representantes da equipe pedagógica da Regional de referência da escola, representantes da Associação "Família Down" e do Conselho Tutelar. Aos poucos, a professora sentiu-se à vontade para criar situações de aprendizagem e trabalhar as dificuldades de Mariana com os colegas da turma. O coletivo da escola estabeleceu alguns acordos, a fim de fazê-la compreender a rotina da escola, assimilar regras, limites e outros combinados. Desta forma, cada vez que a aluna saía da sala de aula ou cometia algum deslize, o adulto ou criança mais próxima se encarregava de reconduzi-la à sala de aula. Assim, Mariana conseguiu compreender algumas noções de limite, os "combinados" e manifestava modificações significativas no comportamento, nas atitudes e na sociabilidade. Assim, A escola conseguiu superar as dificuldades iniciais e passou a recorrer ao CAPE e à Coordenação de Política Pedagógica-CPP da Secretaria de Educação apenas em situações de conflitos e impasses.

Vários fatores favoreceram a inclusão escolar de Mariana:
..A concepção da Escola Plural na prática; ..O projeto pedagógico da escola construído coletivamente; ..O espírito de cooperação e interação grupal; ..Ambiente escolar estimulante; ..Organização flexível do trabalho pedagógico; ..Interação com as outras crianças; ..Relação da escola com as famílias; ..Disponibilidade de uma estagiária para apoiar a turma; ..Acompanhamento da CPP, CAPE e Regional; ..A possibilidade de formação em serviço; ..Diálogo e interlocução com segmentos envolvidos; ..problematização, registro e avaliação contínuos; ..Abertura da escola para aprender e assumir desafios.

O sucesso desta experiência, tão sumariamente descrita, traduz-se nos resultados alcançados: desenvolvimento da linguagem, formação de hábitos, assimilação de limites, interatividade, identificação de letras e palavras, manifestação de interesses e habilidades, exercício da curiosidade, entre outros.

___________________ Elizabet Dias de Sá é Psicóloga. Consultora Educacional, professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte/MG. Trabalhou na Secretaria Municipal de Educação/ Coordenação de Política Pedagógica e no Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais daEducação-CAPE Presidente do Conselho Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência de Belo Horizonte.


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