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Textos de Elizabet Dias de Sá


A Escola no Contexto da Vida


A história de minha família é típica da maioria da população brasileira. Meus pais vieram do interior de Minas Gerais para tentar a sorte na capital. Estabeleceram-se como comerciantes na periferia de Belo Horizonte. nossa vida seguia seu curso de acordo com apelos e demandas de sobrevivência. O trabalho sempre foi um dos principais valores cultivados e a escola um ideal acalentado por minha mãe que ousou desafiar a realidade, sonhando garantir para os filhos o que lhe fora negado. Somos oito irmãos dos quais cinco perderam gradualmente a visão. Sempre necessitamos de recursos opticos e outras alternativas quase sempre improvisadas ou inexistentes. Atualmente bengalas, guias humanos, sistema Braille, gravadores, livros falados, ledores e computadores fazem parte da parafernália indispensável em minha vida diária. Aprendi a ler e escrever fora da escola, graças à dedicação de uma professora leiga que preparava cadernos de caligrafia, reforçando com lápis preto margens e linhas do papel. E eu usava regua para não extrapolar os limites demarcados. Na escola, cálculos e atividades orais, produção de textos e memorização de conteúdos favoreciam meu desempenho. Em compensação, padecia com tarefas que exigiam coordenação motora, visualização, confecção de material, cartografia e desenho. Aprendi a lidar com palavras para nomear, descrever e interpretar gráficos, figuras e imagens, graças ao constante exercício de atenção, raciocínio, memória e abstração. Impulsionada pela curiosidade e interesse, observava o ambiente para detectar pistas, referências e indícios que possibilitavam interagir com diferentes situações e produzir respostas esperadas. Certamente, estas estratégias não foram assimiladas a partir de repertórios programados com intenções e objetivos deliberados. Aprendi imersa na diversidade do mundo feito de obstáculos e desafios quotidianos. Talvez essa tenha sido a principal ou a mais importante lição que aprendi dentro e fora da escola. A perda gradativa da visão ganhava proporções e alterava o rítmo e rotina da família, repercutindo na escola e em outros espaços da comunidade. A assistência médica era precária, o que retardou o diagnóstico da enfermidade, cujo prognóstico era sombrio e os tratamentos eram desconhecidos ou experimentais. Aos poucos, despesas com lentes e óculos sobrecarregavam o orçamento. Neste contexto, diversos profissionais desaconselharam nossa permanência na escola por acreditarem que se tratava de sacrifício, um esforço inútil, pois no entender daqueles profissionais não poderíamos, no futuro, exercer uma profissão. Em casa, não fomos poupados e todos eram tratados da mesma forma seja para brincar ou trabalhar. Aprendemos a compartilhar o mesmo espaço, dividir responsabilidades e socializar roupas, livros, objetos e outros pertences. Passei a ajudar minha mãe em um mercadinho de frutas e legumes, onde aprendi a pesar, empacotar, somar, dividir, calcular troco e féria. Efetuava mentalmente estas operações, pois minha mãe tinha dificuldade com frações e contas. Apesar das restrições, meu percurso escolar não foi interrompido. Entrei para a universidade e passei a usufruir dos serviços de saúde, estágios, monitorias e bolsas de trabalho. Paralelamente, fazia o curso de francês com bolsa de estudo obtida pelo meu notável desempenho no curso pré-vestibular. Comecei a dar aulas particulares para crianças com dificuldades escolares e, depois, aulas de francês para vestibulandos e postulantes de bolsa de estudo na França. Além disso, fazia traduções livres e transcrições de palestras e debates gravados. Estas atividades derivavam de meu vínculo com a universidade. Após a formatura, vivi um ciclo marcado pela discriminação no mundo do trabalho. Consegui um emprego de telefonista com equipamento adaptado para pessoas cegas e travei batalhas para realizar concursos públicos e efetivar minha admissão que fora interseptada pelo setor médico. Passei por maratonas de cirurgias e tratamentos na tentativa frustrada de impedir a cegueira. Finalmente, depois de muita batalha, concentrei minhas atividades profissionais na rede municipal de educação de Belo Horizonte.
Elizabet Dias de Sá


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