BACHIANAS



1

Quando você partiu
apagou, distraído, a luz verde da minha esperança;
e acendeu
por maldade ou por descaso
a luz vermelha do meu desespero.


2

Uma pedra, uma flor, um espinho, uma dor;
um carinho, um licor
e o sol estendendo as mãos
para abraçar o tempo,
e o tempo contando estórias
cheio de ternura, de languidez
e sem pressa de passar...
Tudo é bachiana, sempre bachiana.

Um altar, uma luz, a paixão,
a saudade, a cruz...
um encanto, um desencanto,
um encontro, um desencontro.

Escorpião e Plutão tecendo ilusões,
traições, desilusões...
Tudo é bachiana, sempre bachiana.

O peixe, a pérola, a concha
e o gesto de tocar nas mãos,
no corpo, na alma...
e a paz cheia de espanto,
e a agonia cheia de calma...

Os sortilégios da Lua!
E a Lua derramada de mistérios mágicos,
etéreos, físicos, espirituais...
Tudo é bachiana, sempre bachiana.

O desatino, o desespero, a esperança, o destino,
o tempero... a vida se sorrindo,
e Júpiter cheio de poder
querendo ajudar a Terra;
e Marte cheio de orgulho
sempre insistindo na guerra...
Tudo é bachiana, sempre bachiana.

Uma canção, uma tragédia,
um coração, uma comédia,
um ciúme, um perfume...
Tudo é bachiana, sempre bachiana.

Os deuses são divinos,
as deusas são sagradas
e eu ainda sou tão profana, tão humana...
Tudo é bachiana, sempre bachiana.


3

Dizem que são mil e quinhentas as chaves dos "Grandes Mistérios".
Serão?
Onde está a tua, então?
Perdida no ar?
No meio do mar?
No fundo do mundo?
Em algum lugar?
Dentro do prelúdio
ou da bachiana?
No Hades ou no Nirvana?
Em algum lugar?
Mas em que lugar?

Precisava encontrá-la.
Queria abrir teu castelo
não para me perder em algum labirinto,
mas para dormir no teu quarto,
passear no teu jardim,
ficar na tua sala...
Eu queria a tua chave.
Até componho uma bachiana.


4

O sexo escondido no espírito
como uma culpa ou como uma flor,
e o corpo sem desejo, sem paixão,
cheio de fadigas e de lembranças;
eis toda minha bagagem
pronta para seguir viagem
ou para ser guardada...
Guardada? Onde?
No depósito da saudade,
no subterrâneo do esquecimento,
no porão da desalegria
ou na casa da solidão?

Enquanto não me decido
vou compondo bachianas dissonantes
mal resolvidas na harmonia
desencontradas nos tons, nos não-tons,
porque estou assim nas sensações,
nos sentimentos, nas emoções
e até nos próprios pensamentos.


5

Quando eu morrer,
quero que os ventos me levem ao lugar onde vivam
intensamente e da mesma forma
verdades e utopias,
realidades e sonhos,
a técnica e a poesia,
a Ciência e a Religião,
a ternura e a tecnologia,
o amor e a paixão,
porque só assim poderei adiquirir toda a ciência,
retificar meu caráter,
purificar a consciência;
enfim, fazer brilhar a minha luz.

Quando eu morrer,
quero conhecer, sentir
os lugares das gêneses e dos apocalipses,
captar-lhes as vibrações com igual sensibilidade
porque só desta forma
poderei entender as origens dos mundos e dos objetos,
a ascenção e o declínio das almas,
o Bem e o Mal;
enfim, penetrar até nas sensações,
nas razões das pré-coisas,
o que, sem dúvida, aumentará minhas percepções,
minha intuição, meus dons.
Mais ainda: me tornarei luminosa, iluminada.

Quando eu morrer,
quero me banhar de rosas
e me sangrar nos espinhos;
colher estrelas e lágrimas;
beber fel e alegria;
descer aos abismos e subir aos céus
com a mesma coragem e com o mesmo sorriso,
com a mesma fé e com a mesma esperança,
com a mesma certeza e com a mesma paciência,
e, principalmente, com o mesmo amor!

Quando isto acontecer,
terei enfim encontrado o caminho,
a paz, a perfeição, o Pai.
Serei, finalmente, um cristal,
um espírito crístico,
um Cristo de Deus
transbordando de harmonias,
de bachianas, de poesias,
de alquimias, de magias,
de felicidade, por toda a eternidade.


6

Esta Bachiana carrega todas as desesperanças,
todos os sonhos mortos
e todas as deslembranças da minha alma,
das minhas existências; e, por isso,
foi composta em tom menor;
seus acordes são tão dissonantes,
suas notas tão inarmônicas,
tão tristes... quase atonais.


7

O sol morreu devagar
e minhas mãos, unidas às mãos do vento,
procuraram teus passos, teu corpo, tua voz,
mas só encontraram saudade, solidão, desespero
e uma bachiana cheia de paixão,
de desalento, de amargura e de tristeza!

Vou dissonantizar esta bachiana;
vou decompor esta bachiana.
Não! Acho melhor dissolver esta bachiana.


8

Quando as luzes da paixão se apagarem,
os sentidos terão morrido e, com eles,
os desejos, os orgasmos, as alegrias;
mas minha bachiana viverá sempre
porque eu te amo!
Porque ela é uma bachiana de amor
porque, finalmente, ela é o nosso mesmo coração.


Clara Luz


VOLTAR À PÁGINA PRINCIPAL