VITÓRIA-RÉGIA, A DEUSA VEGETAL



Na manhã do mundo, no seio de uma primitiva tribo, contavam os velhos pajés adivinhos, Senhores de todos os segredos da natureza que, quando a Lua ainda era considerada um deus masculino e ainda quando esta se escondia por detrás dos montes da serra, coabitava com as virgens de sua predileção.

O encanto destes encontros era de tal grandeza e beleza que os velhos sábios não possuíam palavras humanas para descrevê-los, deixando as entrelinhas a cargo de nossa imaginação.

Aconteceu que a jovem guerreira Naiá, filha do venerável chefe, princesa da tribo, de alva pele e cabeleira muito ruiva tal qual uma espiga de milho verde, se impressionara com a sugestiva fantasia daqueles amores lunares. E, por isso, no avançar da noite, quando o sono fechava a vida da taba, e a erótica divindade sedutoramente simulava tocar suas mechas de cabelo, a cunhã galgava as montanhas buscando mergulhar sua alma na insolvência daqueles luminosos afagos, tão exaltados pelos convincentes anciãos.

Afirmavam eles que a deusa hemafrodita, com a irradiosa insuflação dos seus beijos, transmutava em luz o corpo das virgens predestinadas, apagando-lhes completamente a tinta de sangue vermelha, vaporizando-lhes a carne. E fugia em seguida, conduzindo as afortunadas amantes, sugando-lhes a vida, para deixá-las, assim desmaterializadas, nos leitos nupciais das nuvens elevadas.

E, desta forma, iam nascendo as estrelas do céu...

Naiá ansiava pela maravilhosa mudança do seu grosseiro e cotidiano viver terreno para aquela divina existência eterizada. Mas a realidade enganava-a constantemente, passava as noites perseguindo o noivo celestial, que debruçava-se de colina em colina, cada vez mais fascinante, entretanto, mais fugitivo de sua doentia paixão.

A virgem guerreira definha suspirosa e sofredora. Não houve poções, feitas pelas mãos miraculosas dos pajés, nem sobrenaturais sortilégios de elevada magia, capazes de curá-la daqueles obsessivos anseios. E assim, vivia essa jovem enferma, a vagar nas noites enluaradas, dilacerando-se pelas íngremes escarpas, uma psicose viva, corporificada, entre lágrimas e soluços, cantando os seus delírios.

Certa vez, quando a sombra da insânia mais anuviava o toldo do entendimento, viu no espelho de um lago, feliz e tranqüilo, a imagem do pálido bem amado. Atirou-se em busca do ser iluminado, bracejando agônicos paroxismos.

Semanas inteiras a tribo debateu-se inutilmente em sua busca.

Os deuses selvagens, entretanto, eram bons e agradecidos. A Lua, que gerara as águas, os peixes e as plantas aquáticas, quis recompensar o sacrifício daquela vida virgem. Fê-la então estrela das águas, poema triunfal de cor e perfume, que cantará eternamente em nossa flora.

E, ao nascer do branco corpo da cunhã, a misteriosa flor, desabrochou com intensa candura de espírito na grande flor perfumada, transformando em espinhos toda a mágoa que tiranizava a jovem índia. Depois, dilatou o quanto pode, a palma de suas folhas, para tornar maior o receptáculo dos afagos da sua luz, amorosamente ofertada.

Todas as noites, Naiá desnuda-se, arrumando jeitosamente as esvoaçantes e longas pétalas, para receber, no tálamo das águas mansas, os beijos apaixonados do luar.



A Vitória-Régia ama as enchentes e as inundações. Á medida que as águas vão subindo, com elas vão crescendo os longuíssimos pecíolos, que, às vezes, atingem cinco metros de comprimento. Enquanto pequenos, esses pecíolos trazem nas suas extremidades superiores folhas em formas de setas, as quais se vão tornando cada vez mais oblongas até tomarem a face de uma enorme bandeja, quando as águas estiverem na plenitude da cheia. Algumas folhas chegam a cobrir mais de três metros quadrados de superfície azul ou esverdeada das águas onde vicejam.

Os maguaris, as garças e mil outras aves passeiam sobre as lagoas, em todas suas áreas, pisando nas largas lajes vegetais que coalham sua superfície e respiram a fragrância que se desprende das belíssimas flores que embalsamam e o ambiente com um aroma divinal.

As suas flores são matizadas de carmezim e branco, sendo algumas totalmente brancas. A época de floração é em janeiro e em fevereiro e algumas delas chegam a ter trinta centímetros de diâmetro.

A raiz da Vitória-Régia é um tubérculo parecido com o do inhame, ao qual os indígenas dão o nome de "forno d'água", em função da sua forma ser semelhante a um tacho de torrar farinha. Esses feculentos tubérculos são grandemente apreciados pelos índios, como pelos habitantes ribeirinhos.

Se o nível das águas permanecer alto, estas belas ninfas aquáticas vivem cerca de dois anos. Se porém, as águas descerem, a Vitória-Régia vai definhando, como se a ela faltasse o alimento principal para viver, para o híbrido elemento é o nosso ar.

Em agosto, já se pode apreciar suas gordas cápsulas repletas de sementes que vão se depositando no lodo do fundo. Enterram-se na lama diluída que se endurece totalmente, assim que recebe diretamente a ação vivificante dos raios solares.

Encontram nas sementes os homens e as aves, um delicioso alimento, esgravatando a terra onde se encontram sepultadas. Na procura desse extraordinário "irupé", o milho da água dos indígenas, agrupam-se garridos bandos de pássaros, exibindo-nos grandioso espetáculo. Com suas ricas e exóticas roupagens de plumas substituem, naquele cenário encantador, os largos mantos verdes enfeitados de flores das vitórias-régias. Esses pássaros levam consigo as sementes e deixam-nas em algum lugar. As águas arrastam também uma quantidade incontável de grãos. é deste modo que se propaga a existência da Vitória-Régia que é encontrada, desde os mananciais dos afluentes da esquerda do rio Amazonas, até os baixos tributários do Paraná e do Paraguai. Designam os botânicos essa dispersão provocada pelos pássaros de "florula ornitocórea" e de "hidrocórea", a produzida pela torrente.

A "Deusa Vegetal", dos lagos e rios, era conhecida dos guaranis que a chamavam de "irupé", outros indígenas tratavam-na de "iapucacaa".



A LUA MASCULINA


É fácil aceitar que o Sol é um símbolo masculino e a Lua simboliza o feminino, mas nem sempre foi assim...

Tylor, em seu livro "Primitive Culture", relata-nos que os índios brasileiros, quando em estado primitivo, adoravam e respeitavam a Lua e, conta-nos também que os índios botocudos davam à Lua a mais alta posição. Um velho relato acrescenta ainda que os caraibas consideravam a Lua mais que o Sol.

Na maioria destas consideradas tribos, a Lua era freqüentemente chamada de o "Senhor das Mulheres" e acreditavam que ela era o marido permanente das jovens índias. Os homens acreditavam que sua função era meramente romper o hímen e abrir caminho para o raio lunar entrar, engravidando-as.

A Lua não era, entretanto, tão somente fonte fertilizadora das jovens guerreiras, mas era considerada também como fonte de proteção e guardiã de todas as suas habilidades. Plantar, cultivar e colher era tarefa feminina. Acreditava-se que só as mulheres podiam fazer as plantas germinarem e crescerem, pelo justo motivo de somente elas estarem sob a proteção direta da Lua.

A mudança do deus da Lua para a deusa da Lua só se concretizou com o advento da adoração do Sol. Este último tomou para si todos os atributos fertilizadores, que pertenciam ao deus da Lua, seu antecessor.

As religiões, posteriores a este acontecimento, encontraram a Lua já tipicamente representada por uma deusa-mãe, um protótipo de mulher, o eterno feminino.

É difícil estabelecer um nexo-causal destas associações na comunidade científica atual. Mas mesmo assim, estas idéias, sobreviveram até nossos dias, muito embora sua significação verdadeira só seja percebida vagamente.

Não existe nada mais lindo e romântico do que uma bela noite enluarada e sabemos que tal vislumbre mexe com nossos hormônios sexuais, mas seus mistérios permanecem desvendáveis...


[Texto pesquisado e desenvolvido por Rosane Volpatto]


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