NÃO É TÃO SIMPLES ASSIM




Quem hoje discute a longevidade humana e o prolongamento da vida por métodos artificiais deveria meditar seriamente sobre o mito de Eos e de Títono. Todos os dias, quando o céu escondia as estrelas, Eos, a deusa da aurora, levantava de seu leito no oceano e começava a iluminar a terra e as nuvens com seus raios cor-de-rosa. Era adorada pelos homens e pelos deuses, mas trazia a alma torturada por uma estranha maldição: por ter cometido o erro de deitar com Ares, o deus da guerra, ela despertou o ciúme de Afrodite, que a condenou a viver sem descanso, numa busca infrutífera de alguém que pudesse amar. Por isso, a cada manhã, ao cruzar o firmamento, ela procurava, entre os belos mortais aqui embaixo, um novo parceiro amoroso, mesmo sabendo que em breve ela se desencantaria dele e teria de trocá-lo por outro.

Títono era um príncipe belíssimo, irmão de Príamo, o rei de Tróia. Ao conhecê-lo, Eos ficou tão apaixonada que, pela primeira vez, sentiu que tinha rompido aquele ciclo insuportável de amores passageiros. Certa de que finalmente tinha encontrado o homem de sua vida, transportou-o para sua morada na Etiópia longínqua e subiu até o Olimpo, para pedir a Zeus que abençoasse a união e concedesse, como presente de núpcias, a imortalidade a Títono, para amá-lo para sempre. Com um sorriso enigmático, Zeus atendeu o seu pedido, e ela voltou, feliz como uma noiva, para os braços de seu amado.

Eos só foi entender o seu erro muito tempo mais tarde: como os deuses não mudam de idade, não lhe tinha ocorrido pedir a Zeus que desse também a Títono a eterna juventude, e ele, que não podia morrer, foi se curvando sob o peso dos anos e das décadas, encolhendo e murchando com o passar dos séculos. Logo tinha vivido dez vezes mais do que um simples mortal; seu corpo tinha se reduzido a quase nada, uma minúscula carcaça, e sua mente o abandonou, deixando-o em completa demência, gritando palavras sem nexo com uma voz estridente. Mas Títono, que era um homem justo, não merecia o castigo terrível daquela eterna velhice, e Zeus, com pena dele, primeiro tirou-lhe a memória e a consciência, depois transformou-o na cigarra, que vive até hoje nos campos. Não lembra mais da esposa, não lembra mais de si mesmo, nem sabe que é um inseto; só o calor das manhãs de verão parece trazer-lhe, ao longe, uma sensação conhecida, e por isso ele canta. Eos, que passa lá em cima, tristonha, derrama então sobre o mundo as suas lágrimas de orvalho, arrependida em sonhar, no entusiasmo da paixão, em mudar este eterno roteiro que sempre termina com a morte.


VOLTAR À PÁGINA PRINCIPAL