NASCEMOS PARA BRILHAR: TAINÁ-CAN



O céu profundo, com suas estrelas rutilantes, sempre exerceu fascínio sobre o espírito humano. Deitados entre o céu estrelado e a fina areia da praia do rio Araguaia, no Brasil central, estremecemos e nos enchemos de encantamento. Vem-nos instintivamente à memória cósmica reminiscências ancestrais, de quando estávamos todos juntos no coração das grandes estrelas vermelhas. Pois lá se encontra o nosso berço e de sua explosão, há bilhões de anos, é que se formaram todos os tijolinhos que compuseram as galáxias, as estrelas, o sol, a lua, a terra e cada um de nós. E, porque nascemos das estrelas, existimos para brilhar e irradiar.

Iameru, bela jovem Karajá, era cheia de graça e de magia, embora insegura em seus sentimentos. À tardinha, à margem do Araguaia, gostava de contemplar Tainá-Can, a estrela-d'alva, que bruxuleava, por primeira, no firmamento. Estranhamente, tomou-se de paixão por ela.

Não aguentando mais a dor de amor, dirigiu-se ao pajé para que invocasse ardentemente os espíritos da tribo para que fizessem descer a estrela Tainá em forma humana. Prometeu até casar-se prontamente com Tainá-Can, caso fosse atendida em sua súplica.

Com efeito, no dia seguinte, numa noite de luar, um raio iluminou um canto da praia. Tainá-Can descera à Terra. E veio, calmamente, caminhando na direção de Iameru. Sua aparência era de um velho encurvado, cansado de dias e anos e cheio de rugas.

Iameru, ao vê-lo, encheu-se de decepção e de espanto.

- Como pode uma estrela tão brilhante aparecer numa forma tão miserável?

Imediatamente o repudiou e lhe disse, gritando:

- Velho feio e enrugado, vá embora. Como pretende me tocar, se sou ainda tão jovem e bela?

Erguendo ainda mais a voz, disse, irritada:

- Suma daqui e não me apareça mais!

Tainá-Can, estrela rutilante do céu, assumira a forma de um velho repugnante para testar o amor de Iameru e colocar à prova sua ardente paixão. Decepcionou-se com o fogo de palha do sentimento da jovem Karajá e se entristeceu com os maus tratos. Seus olhos se encheram de lágrimas.

Estava pensando em regressar ao céu, quando lhe veio em socorro a irmã de Iameru, a jovem Denaquê que, de longe, tudo acompanhara. Não era bela de rosto nem de forma, mas possuía qualidades que faltavam à fútil Iameru: bondade, amorosidade, gentileza, compaixão e especial capacidade de cuidado.

Aproximou-se do velhinho Tainá-Can, enxugou-lhe as lágrimas e pediu-lhe desculpas pela rudeza da irmã. E lhe disse:

- Se não se importar, vou cuidar do senhor e, se gostar de mim, posso até ser sua esposa.

O rosto de Tainá-Can se transfigurou. E, agradecido, beijou suavemente a testa de Denaquê. E lhe disse, com voz decidida:

- Vou ser um bom marido para você. Agora mesmo vou cultivar a terra, para que nada lhe falte e tenha sempre muita comida em seu jirau.

Denaquê não entendeu a palavra "cultivar", pois até aquela época os Karajá somente comiam peixes e caça. Não cultivavam a mandioca, o milho e o ananás, atualmente suas principais fontes de alimento.

Denaquê nem teve tempo de pedir explicações, pois o bom velhinho, exultante de alegria, foi à roça fazer o cultivo do milho, da mandioca, do ananás e de tantas coisas boas para os Karajá.

Todos na tribo se perguntavam quem seria aquele velhinho todo enrugado. M as respeitavam o amor de Denaquê e admiravam sua assiduidade no trabalh o.

Certo dia, Tainá-Can não regressou na hora costumeira. Denaquê, como mulher amorosa, teve um pressentimento:

- Alguma coisa deve Ter acontecido ao bom velhinho. Vou procurá-lo na roça.

E ao chegar, encheu-se de estupor. Viu um jovem guerreiro, todo iluminado, com o corpo pintado dos mais belos desenhos. Reconheceu ser Tainá-Can, revestido do esplendor da estrela-d'alva.

Seu estupor aumentou ainda mais ao ver aos pés do guerreiro plantas desconhecidas.

- É milho e mandioca para alimentar você e todos de sua tribo-disse Tainá-Can, fazendo um gesto largo com as mãos.

E se abraçaram amorosa e longamente. Contentes, voltaram abraçados para a maloca. A notícia se difundiu por toda a floresta e todos participaram daquela nova felicidade.

Iameru, ao ver Tainá-Can tão belo e a irmã tão feliz, se encheu de ressentimento e de inveja. Recriminava-se a si mesma por não Ter sabido ver, por detrás dos traços rudes do velhinho, o esplendor da estrela-d'alva, de Tainá-Can, de quem outrora se havia enamorado ardentemente. Desesperada, desapareceu na floresta.

Soube-se depois que Tupã a havia transformado no pássaro urutau. Até hoje, em noites de luar, quando a estrela d'alva, Tainá-Can, mais brilha, emite sons estridentes e tristes, lamentando haver perdido um amor tão cobiçado.

Depois de Ter vivido feliz com Denaquê muitos e muitos anos e Ter ensinado aos Karajá a cultivar o milho, a mandioca e tantas coisas saborosas, Tainá-Can voltou ao céu para continuar a brilhar eternamente. E levou consigo a sua amada Denaquê. Por isso, como companheira inseparável, brilha no céu, sempre junto da estrela-d'alva, uma estrela singela e de brilho esmaecido. É a Denaquê, a adorável esposa de Tainá-Can.


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