COMO A MULHER ATORMENTA O HOMEM




Nietzsche dizia que a esperança não era um bem. Ao contrário, tratava-se do maior dos males.

Mas para explicar essa teoria vou ter que falar das mulheres. Não de qualquer mulher; da primeira delas. Primeira ao menos para os gregos.

Pandora, seu nome. Zeus ordenou sua criação para se vingar dos homens. Aconteceu o seguinte: lá na velha Grécia havia dois irmãos, Prometeu e Epimeteu. Como você pode constatar, essa mania de batizar os filhos com nomes parecidos é antiga. Tenho muitos amigos que se tornaram vítimas disso. Um deles, a mãe é Zulma, uma irmã é Zulmira e a outra Zulmara, os irmãos são Zulmar, Zulmiro, Zulclécio e Zulnero, enquanto que ele se chama... Bem, mas não vou continuar com isso, meu amigo não gosta do próprio nome, seu nome de batismo é um trauma para ele.

O importante é que Prometeu, o mais esperto dos dois irmãos meteu, roubou o fogo do Monte Olimpo e o entregou para os homens, propiciando o aquecimento nas noites de inverno e a invenção do churrasco.

Zeus ficou furioso. Tanto quanto ficou Javé quando Adão cravou os dentes na rubra maçã do conhecimento. Os deuses não gostam de partilhar o poder. Como punição, Zeus resolveu forjar uma criatura que encantaria e, ao mesmo tempo, molestaria o homem por toda a eternidade: a mulher.

Ordenou que cada um dos deuses subalternos contribuísse com um ingrediente a fim de moldar o mais sedutor e ardiloso dos seres terrenos.

Afrodite compareceu com a beleza, Diana com a graça, Hermes com a astúcia, Mercúrio com a persuasão, assim por diante.

Bem acabada Pandora, Zeus a enviou a Prometeu e mandou junto com ela uma caixa onde estavam encerrados 10 mil males. Dez mil, meu! Entre eles, provavelmente, os seminários empresariais e os exercícios de dinâmica de grupo. Uma horrenda cilada, pois. Mas, como já disse, Prometeu era esperto como um empresário de jogador de futebol. Sabia que não devia aceitar presente de gregos, ainda que tais gregos fossem deuses. Desdenhou Pandora olimpicamente. O problema é que seu irmão Epimeteu era mais sentimental. Pandora olhou para ele com seus grandes olhos de corça, olhos maliciosos e inocentes como só os olhos de uma mulher conseguem ser, e ela o olhou de baixo para cima, e sorriu um meio sorriso de promessas, e ronronou com sua voz apessegada:

- Ó, Epi.

Quando isso aconteceu, Epimeteu estremeceu (opa, essa rima dá samba).

Epimeteu levou Pandora para casa e teve com ela uma noite de amor ardente, a primeira noite de amor entre um homem e uma mulher.

Madrugada alta, Pandora, saciada, adormeceu. Epimeteu sorriu, observando seu corpo nu, jovem e arfante. Congratulou-se por sua atuação entre fronhas e lençóis. E então lançou um olhar curioso para a caixa que ela trouxera debaixo dos braços macios. Espreguiçou-se, levantou e resolveu:

- Vou ver o que é que tem na caixa de Pandora.

Foi até lá. Abriu-a. E os 10 mil males encheram o ar da sala e começaram a se espalhar, cada um para um lado. O mau hálito soprou pelas janelas afora, o chulé se esgueirou sob a porta, a miopia esbarrou numa parede, mas logo desviou e voou chaminé acima. Tudo de ruim que havia correu a colar ao corpo dos homens em todo o mundo. É por isso que você teve aquela constipação semana passada.

No fundo da caixa de Pandora, restou tão-somente um elemento: a esperança. Foi, dizem os gregos, o único alento que Zeus deu aos homens.

Mas isso é o que os gregos diziam. Nietzsche dizia algo bem diferente. Para ele, a esperança era o pior dos males. Porque ela prolonga a dor.

Como o homem espera sempre que a bem-aventurança se lhe suceda, apesar de todas as provas em contrário, ele não desiste, ele resiste, ele insiste (samba!). E então sofre. Quando não há mais esperança, não há mais desejo. Quando não há mais esperança, não há mais angústia. Quando não há mais esperança, não há mais dor.

O melhor para torcida do Grêmio, hoje, é desistir. É se resignar. É extinguir a esperança e o desejo, e o sonho, e toda a fé. Só assim a dor também vai acabar.


(David Coimbra)


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