A LINGUAGEM DOS PÁSSAROS



Um grupo de pássaros desejava encontrar a seu rei; então pediram à poupa sábia (um pássaro com crista em forma de abano) que lhes ajudasse em sua busca. A poupa lhes disse que o rei que estão procurando se chama Simurgh (que significa em persa: Trinta Pássaros) e que vive escondido na montanha de Kaf, porém é uma viajem muito difícil e perigosa. Os pássaros imploram à poupa que os guie. A poupa aceita e começa a ensinar a cada pássaro de acordo com seu nível e temperamento. Ela lhes diz que para alcançar o alto da montanha, necessitam atravessar cinco vales e dois desertos; quando tiverem passado o segundo deserto, entrarão no palácio do rei.


        Os de vontade débil, temerosos da viagem, começam a por desculpas.

O louro, que é egocêntrico e egoísta, diz que no lugar de ir a busca do rei, buscará o Santo Gral.

O pavão real, a ave legendária do paraíso, exclama que tem sonhado que voltará ao céu e que vai esperar pacientemente esse dia.

A pata se lamenta porque sua vida depende de estar próxima da água e morreria se si separasse dela.

A garça tem uma desculpa similar; não lhe é possível viajar longe do mar, porque seu amor pela água é tão grande que, embora permaneça sentado durante anos à sua margem, não tem ousado beber nem uma gota, se não o mar acabaria sem água.

A coruja declara que prefere ficar e buscar as ruínas com a esperança de encontrar um tesouro algum dia.

O rouxinol diz que não necessita viajar, porque está enamorado da rosa e este amor é suficiente para ele. Possui os segredos do amor que nem outra criatura tem; e com uma voz maravilhosa canta ao amor:

- Conheço os segredos do amor. Toda noite derramo meu canto de amor. A música mística da flauta se inspira em meu lamento, e sou eu quem faz desabrochar a rosa e comover os corações dos namorados. Ensino mistérios com minhas tristes notas, e quem me ouve se perde em êxtase. Ninguém conhece os meus segredos, unicamente a rosa. Tenho me esquecido de mim mesmo e só penso na rosa. Alcançar a Simurgh está acima de mim! O amor da rosa é suficiente para o rouxinol!


        A poupa que escutou pacientemente responde ao rouxinol:

- Tu estás preocupado com a forma exterior das coisas, pelos prazeres de uma forma sedutora. O amor da rosa tem lançado espinhos a teu coração. Não importa quão grande seja a beleza da rosa, se desvanecerá em poucos dias; e o amor a algo tão passageiro só pode causar repulsa ao perfeito. Se a rosa te sorri é só para enxerte de dor, porque ela rir-se de ti a cada primavera. Abandona a rosa e seu quente calor.

O que quer dizer Attar com esta simples conversação?

Nós humanos temos o desejo de buscar a perfeição, mas muitas vezes tendemos a parar o processo tão logo detectamos o mais ligeiro sinal de progresso. Isto é especialmente certo nos aspirantes ao caminho espiritual: muitos buscadores estão encantados com as primeiras etapas do despertar e o confundem com a completa iluminação. Attar nos adverte de tais perigos: não devemos confundir o amor do imaginário com o amor do Real. Por esta razão, o rouxinol tem que abandonar seu enganoso apego pela rosa para buscar ao eterno Amado.

A poupa deleita os pássaros com maravilhosas histórias daqueles que têm feito a perigosa viagem. Depois de ter ouvido as histórias da poupa, os pássaros estão inspirados para começar sua viajem até o primeiro vale.

Entretanto, logo começam a ter problemas, e se dão contas de que o caminho vai ser mais difícil do que haviam imaginado. Alguns voltam a por desculpas. Um afirma que a poupa não é suficientemente sábia para conduzi-los. Outro se queixa que satanás lhe tem possuído e lhe está pondo as coisas difíceis. E outro expressa seu desejo de ter dinheiro e a comodidade de uma vida de luxo.

Finalmente, a poupa decide que a única forma para que os pássaros compreendam, é descrever-lhes os sete vales e desertos da viajem.

O primeiro é o Vale da Busca. Aqui se busca a Verdade com inquietude, diz a poupa. Com constância, se busca um significado maior ao propósito da vida. Só um buscador com dedicação pode atravessar a salvo o primeiro vale e ir ao segundo, o Vale do Amor. Aqui se sente um desejo ilimitado de ver ao Rei Amado. Um fogo abrasador começa a crescer no coração e se faz devastador. O lugar é mais perigoso que o primeiro vale, porque há obstáculos no caminho para por a prova o amor.

Entretanto esse mesmo amor impulsiona ao buscador sair do vale e ir até uma terra mais alta: o terceiro vale, o Vale do Conhecimento. Uma vez que se entra nesta terra, o coração se ilumina com a verdade. Se adquire aqui o conhecimento interior do Amado. Deste lugar o viajante continua a viajem ao Vale do Desapego, onde perde seus desejos de possessões mundanas. Não existem ataduras com o mundo material para o viajante que atravessa esse vale; liberado dos desejos agora o aspirante é completamente independente.

Cada novo lugar que o buscador encontra é mais perigoso que o anterior e deve ser explorado passo a passo, porque cada um contém suas próprias provas e dificuldades. Assim, a cada encontro com uma terra diferente é uma experiência nova.


            O quinto vale é o Vale da Unidade. O viajante experimenta nele que todos os seres são unos em essência, que toda variedade de idéias, experiências e criaturas da vida tem realmente uma só fonte. O viajante chega ao Deserto do Medo. Então se esquece da existência de si mesmo e de todos os demais. Vê a luz, não com os olhos da mente, sim com os olhos do coração. A porta do divino tesouro, o segredo dos segredos, se abre. Nesta terra, o intelecto já não funciona. Aqui se pergunta ao viajante quem é e o que és, responde: 'Não sei nada'.

Finalmente, chega ao Deserto do Aniquilamento e da Morte. Neste ponto, o aspirante entende finalmente como uma gota se funde no oceano da unidade com o Amado. Tem encontrado o destino da viajem para encontrar ao rei.

Depois de ouvir a descrição da poupa sobre o que lhes espera, os pássaros se animam tanto que imediatamente continuam sua viajem.

No caminho alguns morrem pelo calor e se jogam no mar. Outros se cansam e não podem continuar; um grupo é caçado por animais selvagens e outros mais se distraem tanto pelo atrativo das terras que atravessam, que se perdem e ficam para trás. Só trinta alcançam seu destino: a montanha de Kaf.

No palácio real, o guarda da entrada trata cruelmente os trinta pássaros. Mas os pássaros, que têm passado o pior, são tolerantes e não se permitem sentirem molestados por sua dureza. Finalmente, o servidor pessoal do rei sai e conduz os pássaros ao salão real. Ao entrar, os pássaros olham tudo assustados. Não sabem o que ocorre, porque no lugar de ver a Simurgh, 'Trinta Pássaros', tudo o que vêm é... Trinta Pássaros.

Finalmente, compreendem que, olhando-se a si mesmos, têm encontrado ao rei, e que em sua busca do rei, têm encontrado a si mesmos.

Os que atravessam as sete cidades do amor se purificam. Quando chegam ao palácio real, encontram ao rei que se revela a seus corações.

"Fariduddin Attar"

(extraído do livro: História de la Tierra de los Sufíes)


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