O ORIGINAL E A CÓPIA


Cláudio Moreno


Uma das versões mais decepcionantes da Guerra de Tróia - e, por isso mesmo, pouco conhecida - conta que a verdadeira Helena nunca chegou a pisar em solo troiano. Uma tempestade inesperada obrigou o navio que a levava a fazer uma escala no Egito, e ali os deuses a substituíram por uma Helena falsa, uma cópia perfeita até o último fio de cabelo. Enquanto a Helena verdadeira ficava secretamente retida no país das pirâmides, por ordens do faraó, o ingênuo Páris voltava para Tróia, triunfante, sem desconfiar que levava consigo apenas um simulacro da mulher que amava. Por muito tempo ele viveu feliz ao lado dessa réplica de Helena, sempre apaixonado, até que, finalmente, no décimo ano de combate, uma flecha grega o feriu de morte.

Ao que parece, os deuses se divertiam com esse jogo de aparências. Que o diga Íxion, rei da Tessália, tristemente famoso por ter assassinado o sogro numa cilada, tornando-se assim o primeiro homem a derramar o sangue de um membro da própria família. Segundo o costume, ele deveria se exilar até que alguém aceitasse purificá-lo de acordo com os velhos ritos; contudo, o seu era um crime desconhecido até então pela raça humana e ninguém se dispunha a ajudá-lo. A sua sorte foi que o próprio Zeus, o rei dos deuses, ficou com pena dele e não só o purificou, como o convidou a conhecer o Olimpo. Ali, na morada divina, Íxion ficou maravilhado ao conhecer Hera, a esposa de seu anfitrião, e seu desejo por esta deusa ficou tão intenso que ignorou as sagradas leis da hospitalidade e começou a cortejá-la de uma forma quase grosseira. Quando Hera contou-lhe sobre o assédio que estava sofrendo, Zeus, apesar de espantado com a ingratidão e a temeridade de seu hóspede, preferiu castigá-lo pelo riso: transformou uma nuvem, Nefele, numa cópia perfeita de Hera, e deixou que Íxion agisse à vontade. Não demorou muito para que o desastrado reizinho, que se achava irresistível, levasse a falsa deusa para cama, pensando que realizava o que nenhum homem sequer teria a coragem de sonhar. O caso teria passado como simples brincadeira, mas Íxion, embriagado pelo sucesso, saiu pelo reino a gabar-se, a torto e a direito, de ter dormido com Hera, e Zeus teve de puni-lo, condenando-o a um suplício eterno no mundo dos mortos.

Compreendo a felicidade de Páris e o triunfo orgulhoso de Íxion, pois ambos tiveram entre os braços aquela a quem mais desejavam. Pouco importa se era a falsa ou a verdadeira; uma distinção como essa só os deuses conseguem fazer. Em nós outros, simples mortais, uma coisa se confunde com a outra, e não posso acreditar que, no fundo, por baixo das máscaras que uso, por trás dos personagens que convivem dentro de mim e dos fantasmas que me habitam, exista um outro eu, mais real e mais concreto do que este que aparece. Assim somos nós, um pouco de nuvem, um pouco de carne e osso , numa mistura em que ninguém saberá o que é o original e o que é apenas a cópia.



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