ENSINAMENTOS DE VIDA E MORTE
Por muito tempo, as duas mulheres ficaram sentadas, sem palavras e sem lágrimas.
Finalmente a anciã tira das mãos da neta o retrato do marido e diz com voz baixa:
- Filha, ouve o que quero dizer-te.
A jovem não responde, mas a anciã começa a falar:
- Quando Deus me deu o primeiro filho, aconteceu que ele ficou doente e eu, sentada à noite ao seu lado, com uma mão no berço, adormeci. Tive um sonho muito estranho: detrás de uma cortina longa e densa, saiu um anjo escuro e aproximou-se do berço, querendo levar o meu filho. Estendi logo as mãos sobre o berço e gritei: - Não, Morte, não te deixo levar o meu filho!
O anjo sorriu e disse: - Não me chamo Morte, chamo-me vida! Precisarei levar o teu filho. Ou preferes trocar? Queres este em lugar do bebê? Erguendo ele a cortina, saiu de lá um menino bonito e forte, de pele clara, olhos azuis e cabelos louros em caracóis.
Mas a mim era estranho e gritei: - Não, não o quero! Antes mata-me.
- Ninguém pode matar - replicou o anjo - Precisas concordar com a troca! Ou preferes este? O menino desapareceu e em seu lugar apareceu um jovem. - Toma este! Vê como ele é belo, seus membros bem proporcionados, corpo e alma com forças vibrantes.
- Não, não! - gritei outra vez.
E o anjo disse: - Mas este amarás com certeza. - E mostrou-me a imagem de um homem de barba escura, bronzeado pelo sol e pelos ventos.
- Não, - voltei a gritar - nunca o amarei! Vou odiá-lo!
- Mas este aqui - o anjo continuou a argumentar comigo: era um velho de ombros largos e cabelos grisalhos.
- Não, não, não! Jamais trocarei. Vai embora e não toques no meu filhinho!
O anjo sorriu outra vez, dizendo: - Certamente irás trocar e serás feliz. Vida e morte são uma coisa só. A morte não existe. Assim dizendo, desapareceu.
Acordei trêmula, ao lado do berço do meu filho que estava dormindo tranqüilamente.
Os anos passaram e eu fui trocando: o bebê pelo menino, o menino pelo jovem, o jovem pelo homem e o homem pelo velho. E fui me lembrando de cada um como o tinha visto no sonho. O grisalho, tu o conheces: é meu filho, teu pai!
A anciã se calou. E a jovem viúva ergueu o retrato do marido, dizendo:
- Mas isto aqui não é troca, é roubo!
- Espera - disse a anciã - ainda não terminei. Na noite seguinte o sonho se repetiu. Vi outra vez o menino, o jovem, o homem e o velho e não quis saber nada deles. Mas, depois de mostrar-me tudo como na noite anterior, o anjo disse:
- Até aqui era só por brincadeira. Agora precisas aceitar uma troca bem mais difícil: aceita este em troca!
- Mas não vejo ninguém! - exclamei.
- Não podes vê-lo - replicou o anjo.
- Mas também não ouço ninguém.
- Pois ele não se deixa ouvir - respondeu o anjo.
Eu tateava ao redor: - Ninguém está aqui!
E o anjo disse: - Tampouco podes palpá-lo.
- Então zombas de mim ?
- Não. Tu não me entendes. Vou falar de outra maneira. - Tu me darias os teus olhos em troca do filho?
- Leva-os! - gritei. Logo caiu uma escuridão profunda sobre mim , mas ouvia ainda a respiração tranqüila do meu filho, como se fosse uma brisa noturna deliciosa.
- Mas não é ainda suficiente - disse o anjo - Dá-me a tua audição.
- Leva-a! - ordenei, e peguei o corpinho de meu filho com as duas mãos, beijando-o ternamente .
- Mas ainda não é suficiente - exigiu o anjo novamente. - Dá-me todos os teus sentidos.
- Leva-os todos! - gritei, e afundei no nada. - Onde está o meu filho? Onde?
- Podes crer: ele vive. O que desaparece dos sentidos nem por isso está morto. A morte não existe; Deus criou só a vida. Entendes agora?
A estas palavras do anjo acordei. Muitas vezes tenho meditado sobre o que o anjo disse, e paulatinamente comecei a compreender. Somos servos dos nossos sentidos. Mas Deus como Senhor dos mil sentidos consegue transformar o que amamos, mil vezes. São transformações que não nos permitem ver, nem ouvir, nem apalpar. É por isso que falamos da morte. Mas a morte não existe. A vida rouba, e dá sem cessar. Atrás da porta já espera uma outra formação, um outro ser. Se soubermos isto, qualquer sofrimento poderá transformar-se em alegria antecipada.
A anciã calou-se. Depois de algum tempo a jovem viúva repousou a cabeça nas mãos da velha, perguntando:
- Quem te ensinou tudo isso, amada avó?
- A vida, minha filha, a vida...
Uma lágrima caiu sobre a cabeça da jovem, e a anciã acrescentou:
- ...e a morte!
[A. D.]