FLORES
As flores sempre exerceram forte fascínio e atraíram as pessoas mais
sensíveis a conhecer seus mistérios. Em sua graça peculiar , as flores
parecem ser a plasmação no mundo físico, de formas arquetípicas emanadas
do próprio logos criador. Elas se fazem acompanhar de energias
elementais da natureza que, nas dimensões astrais, tomam formas humanas
curiosas, em tudo semelhantes à própria estrutura da flor; este é o caso
das fadas, duendes e dos gnomos, que só podem ser vistos pelos sentidos
especiais purificados, como é o caso das crianças tenras ou dos seres
espiritualizados. Estes seres míticos estão bastante ligados às flores e
são também responsáveis pelos efeitos sutis das mesmas. Graças a isso é
que as flores são tão visitadas por sublimes beija-flores
multicoloridos.
As flores têm perfumes que encantam e elevam o espírito, são belas em
sua simplicidade singela, são suaves e têm também sabores variados e
típicos. Em muitos países, existem tradições culinárias onde as flores
são transformadas em saborosos e nutritivos pratos. A margarida é
utilizada como alimento na França; nas pétalas das rosas vermelhas, se
faz um tradicional doce na Bulgária; o girassol é uma flor que produz
sementes de alto valor nutricional; a flor da abóbora (cambuquira) é
apreciada em várias partes do Brasil; praticamente, em todas as partes
do mundo, existem pratos com flores, como é o caso da Índia, com o seu
exótico cravo.
Já que as flores estimulam quase todos os sentidos, só lhes faltava
terem música... Mas será que elas não têm? Segundo a tradição
iniciática, na Atlântida havia um tipo de flor muito semelhante ao nosso
atual lírio, que emitia uma inebriante música! Bastava aproximar um dos
ouvidos a essa flor para que a pessoa entrasse numa suave catarse. Os
escritos secretos contam que "ouvir" essa flor chegou a ser proibido
pelas autoridades, talvez do mesmo modo como ocorre atualmente em
relação à maconha, ao ópio e ao haxixe, por causa dos seus efeitos
farmacológicos. Diziam que a música dessa flor tinha a capacidade de
desviar e alienar as pessoas...
Segundo a tradição, os atlantes tinham os sentidos superiores muito
desenvolvidos e talvez a audição mais sutil chamada "clariaudiência"
tivesse sido comum naquela distante civilização. Essa capacidade
extra-sensorial só é observada em poucas pessoas da presente humanidade.
Talvez tenha sido um pouco dessa capacidade que tenha motivado Strauss a
com-por a sua famosa Valsa das flores, inspirado ao observar um campo de
margaridas num piquenique de primavera. Se dispuséssemos dessa
capacidade sensitiva, talvez pudéssemos contemplar extasiados uma
sinfonia emitida por um campo de girassóis, ou o som etéreo ou sitarino
de uma orquídea; quem sabe talvez o som dos lírios se assemelhem a
clarinetas, ou das dedaleiras ao flautim...
Mesmo que pareça insano, há algo que nos parece dizer que as flores têm música. Seria sem sentido a afirmação dos místicos indianos de que o lótus - a flor sagrada - reproduz o sonido primordial, o mantra de uma só nota, o "OM"?
As flores inspiram os poetas e os amantes da vida. Há um interessante
poema de Tennyson que mostra a ânsia do ser humano de conhecer os
mistérios que as flores guardam:
Flower in the crannied wall
I pluck you out of the crannies;
Hold you here, root and all, in my hand, Little flower - but if I could
understand
What you are,
root and all, and all in ali,
I should know what God and man is.
(Flor no muro rachado,
Eu te arranco das fendas;
Te seguro com raiz e tudo, em minha mão, florzinha - mas se pudesse
compreender
O que és, com raiz e tudo, e tudo em tudo,
Eu conheceria o que são Deus e o homem.)
Nesse lindíssimo poema, Tennyson se mostra um típico poeta ocidental e
deixa bem claro a sua tristeza pela impotência em desvendar os segredos
da natureza, através da singeleza da flor. Mas é interessante observar
que esse poema, apesar de ser fruto de uma inspiração poética, bem
caracteriza o pensamento ocidental, que é, a priori, desvinculado de uma
conexão mais íntima com a natureza. Talvez a distância entre o poeta e a
flor seja a medida exata dessa falta de vínculo. A cultura ocidental é
clara-mente discriminativa e separa as coisas da sua unidade, o sujeito
do objeto, a parte do conjunto. Para desvendar os segredos da natureza,
ou conhecer melhor a mensagem da flor, é necessário integrar-se com ela
e eliminar a presença de uma mente analítica.
Os poetas orientais conseguem mais facilmente realizar a integração com
a unidade fundamental das coisas, mas por meio de uma via diferente, a
da abstração da mente conceitual, o que eleva à intuição mística.
Basho, um poeta japonês do século XVII, inspirado numa flor, compôs um pequeno poema, composto apenas de dezessete sílabas, conhecido como hokku, que caracteriza a diferença entre a sensibilidade dos dois tipos de poesia:
Yoku mireba
Nazuna hana saku
Karine kana.
(Quando olho atentamente
Vejo florir a nazuna
Ao pé da sebe!)
Fica bem claro nesse poema que o autor só pode escrevê-lo se se
encontrar num estado de "união" com a própria flor, ou num contato
íntimo com a natureza e num estado de espírito elevado. Enquanto
Tennyson reclama por não compreender o mistério da flor, Basho
compreende... Enquanto Tennyson "arranca" a flor, com "raiz e tudo",
Basho a mantém no lugar... não sente a necessidade de retirá-la.
Estas colocações são importantes para compreendermos que, para "sentir"
o segredo das flores - ou de qualquer elemento da natureza -, é
necessário que nos identifiquemos diretamente com o "todo" que elas
representam e que o único impedimento para que saibamos mais sobre os
seus aparentes intrincados mistérios é justamente a forma como
interpretamos as coisas e ante-pomos uma mente discriminativa quase
sempre que observamos algum fenômeno. Para se entrar em contato com o
sentido mais profundo das coisas, que é o sentido poético, é necessário
que se abstraia a mente analítica comum. Caso contrário, será impossível
compreender a mensagem das flores...
Quanto aos efeitos farmacológicos das flores, apesar da pouca informação
e do ceticismo de muitos médicos, a aparência delicada das flores
esconde qualidades surpreendentes. Quem pode negar, por exemplo, o
efeito devastador do ópio, do haxixe ou do estramônio, que são extraídos
de belas flores (papoula, cânhamo e trombeteira, respectivamente)? De
muitas flores são extraídos também remédios fortes, como os digitálicos
(dedaleira), de efeito cardiotonico notável. Das flores do lúpulo se
obtém as substâncias adequadas para conferir o sabor inigualável da
cerveja. Por outro lado, alguém saberá explicar por que as orquídeas
exercem tanta fascinação com as suas formas exóticas, a ponto de fazer
com que os colecionadores dediquem suas vidas ao seu cultivo apaixonado?
O mel, um dos alimentos mais puros, energéticos e ricos em energia
vital, é produzido pelas incansáveis abelhas a partir do pólen das
flores silvestres. Sabe-se que, segundo o tipo de flor de onde as
abelhas retiram o pólen, o mel apresenta um efeito medicinal diferente;
assim, o mel das flores de laranjeira, de eucalipto, de marmelo, de
assa-peixe, de macieira, de bracatinga, ou o mel da simples abelhinha
jataí, são procurados pela sua eficácia no tratamento de inúmeras
doenças; não seria o mel então uma essência curativa superconcentrada
presente nas próprias flores? Que misteriosas substâncias ou energias
guardam as flores nos seus níveis atômicos e hiperfísicos?
Não é essa mesma propriedade curativa sofisticada aquela presente também
nos perfumes e nos remédios feitos a partir das soluções e dos
destilados florais? Finalmente, o mel, considerado um dos componentes do
néctar, o famoso alimento dos deuses do Olimpo, é um produto que obedece
fielmente à determinação que Hipócrates recebeu do deus Esculápio, de
procurar fazer do alimento um remédio, por ser exatamente as duas coisas
numa só.
Mas as flores participam da vida dos seres humanos muito mais significativamente do que se pode imaginar. Elas alegram os ambientes, enfeitam a vida e enobrecem a morte. Cada uma, segundo o seu tipo, carrega uma mensagem, seja da natureza ou codificada pelos homens; estão presentes no nascimento e nos funerais, na doença e na alegria, no amor e na saudade, simbolizando, com as suas cores e perfumes, expressões dos sentimentos humanos mais nobres e verdadeiros. Haveria então um recurso medicinal mais adequado do que aquele que se identifica com os movimentos e as emanações da alma? Se são as alterações e os desequilíbrios presentes na alma os responsáveis principais pelas mazelas, doenças e sofrimentos, não seriam as flores os recursos apropriados para a sua perfeita e sutil correção?
Neste trabalho procuramos mostrar que isto é possível e que as flores representam muito mais do que símbolos, mas recursos eficazes e de grande poder alquímico, que hoje ressurgem fortalecidos pela esperança de uma medicina mais humana e sensível.
[Fonte: "Medicina Floral" , de Márcio Bontempo, Ediouro, 1994]