A ORIGEM DAS FADAS 2



Maria Clara Cavalcanti


"Todos nós descemos do Olimpo para participar desta batalha, a fim de que nada aconteça a Aquiles por parte dos troianos, hoje, ao menos; mais tarde, todavia, ele deverá sofrertudo quando Aîsia fiou para ele, desde o dia em que sua mãe o deu à luz."

(HOMERO,Il, XX, 125-128)


Conta um mito grego que há três deusas irmãs, denominadas as Moiras, que personificam o destino. Seus poderes são de tal forma inquestionáveis que nem mesmo os deuses as podem contrariar sem que isto coloque em perigo a ordem universal.

Donas incontestes do destino do homem, as três Moiras, cumprem impassíveis, cada uma a sua função: Cloto - a fiandeira - segura o fuso e vai puxando o fio da vida do homem a partir de seu nascimento; Láquesis - a sorteadora - enrola o fio da vida e sorteia o momento da morte; e Atropos - a inflexível - corta o fio da vida no momento certo.

Quando Cloto escolhe fios de cores suaves para colocar no fuso, os dias são felizes e amenos, mas quando ela escolhe tecer com fios escuros, os dias se tornam tristes e pesados.


De onde vêm as fadas?

O mito grego acima nos mostra, como seres mágicos povoaram desde sempre, o imaginário popular de forma a aliviar a aridez da vida cotidiana, ou a responder perguntas irrespondíveis como: Quem somos? De onde viemos? Por que morremos? Como somos? Sem sonhos, o homem ficaria paralisado diante de sua própria pequenez e impotência face ao mundo.

Entre as manifestações populares, talvez nenhuma expresse tão bem, nem de maneira tão franca, os sentimentos e necessidades humanas, como os chamados "contos de fada". Mas de onde vêm estes seres tão oniricamente humanos, capazes de expressarem abertamente sentimentos tão contraditórios como: amor/ódio, gratidão/vingança, ciúme/indiferença, capazes de caprichos fúteis, de amores proibidos e um padrão ético que, em suas raízes, ia, na maioria das vezes, de encontro a nossa moral judaico-cristã?

Na verdade, não temos uma "origem" única para o termo "fada". Sabemos, apenas, que são representações da figura feminina, que etimologicamente a palavra "fada" vem do latim "fatum" que significa destino, fatalidade, e que lhes são atribuídos poderes de interferirem benéfica ou maleficamente no destino do homem. Para alguns, viriam das Moiras gregas acima citadas. A palavra grega Moîra provém do verbo meiresthal - obter, ou ter em partilha, obter por sorte ou destino. Como sinônimo, temos nos poemas homéricos Aîsia - a condicionadora de vida.

Em documento do século I d.C, Pomponiius Mela afirmou em seus escritos: "Na ilha do Sena, nove virgens dotadas de poderes sobrenaturais, meio ondinas, meio profetisas, que com suas imprecações e cantos imperavam sobre o vento e sobre o mar assumindo diversas encarnações, curavam enfermos e protegiam navegantes."

Seja em resposta aos nossos sonhos ou fantasias, seja como representações idealizadas da figura feminina, o certo é que estes seres, tão ambíguos quanto fascinantes, vêm povoando, desde a Antigüidade, a imaginação do homem e foram, aos poucos, preparando terreno para a descoberta e valorização da mulher. As fadas, tal como são atualmente pensadas na literatura contemporânea, " nasceram ", segundo Nelly Novaes Coelho, no seio dos povos celtas, chegaram ao Oriente, através da tradução das "Mil e Uma Noites" e se expandiram através das novelas de cavalaria.

Símbolos da dualidade, em seu nascimento comportavam-se, sem maiores escrúpulos, de maneira bastante humana, capazes de atos que raramente se assemelham aos das fadas louras, belas, jovens e açucaradas, dos filmes de Walt Disney. Basta darmos uma olhada nas histórias clássicas, para verificarmos que a mesma fada que faz com que uma irmã, ao falar, cuspa pérolas e rosas, faz com que a outra cuspa sapos e lacraias. Ou ainda, que foi uma fada (e não uma bruxa, como nos apresenta algumas versões mais recentes) que tenta lançar, sobre uma princesa recém-nascida, o sono eterno, por um motivo tão frívolo como não ter em seu lugar na mesa do banquete do batizado da princesinha, talheres de ouro como havia para as demais convidadas.

Até o instrumento de trabalho mais associado às fadas; a vara de condão, representa, segundo Antônio Geraldo da Cunha, em seu Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa :, esta dualidade; Condão : poder misterioso a que se atribui influência benéfica ou maléfica.

Ocorre, porém, uma transformação radical a partir do século XII, quando inicia-se um movimento religioso com a finalidade de inibir a Reforma Luterana e as seitas mágicas; o culto à Virgem Maria.

Colocadas à serviço da moralização social e cristã, as fadas sofrem, então, uma polarização; todo seu lado "mau" é canalizado para a figura da bruxa, ficando para elas todo o conceito cristão do "bom" - pureza, bondade e assexualidade. Para a Inquisição, esta cisão torna-se uma maneira eficaz de controlar mulheres sábias que são logo tachadas de "bruxas" ou "feiticeiras" e, na maioria das vezes, desaparecem nas fogueiras.

Ao nível literário, transformam-se em motivo de aspiração mística-amorosa, o Ideal Absoluto em que deveria se espelhar toda a mulher que procurasse uma realização plena. Este idealismo, que atravessou séculos com o apoio da moral cristã, chegou até o Romantismo como ideal do "amor eterno e puro" (sonho ainda tão presente em nossas novelas, filmes e romances contemporâneos). Como todas as manifestações culturais populares, os contos de fada vão sendo atualizados. de modo a servir aos propósitos da cultura e do tempo em que são contadas.


Bibliografia:

- BURKE, Peter.Cultura popular na idade moderna Trad. Denise Bottman. segunda ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

- COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo : Ática, 1991.

- DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Trad. Sonia Coutinho. segundaed, terceira reimp. Rio de Janeiro : GRAAL, 1996.

- PERRAULT, Charles - Contos de mamãe gansa. RS - Paraula 1998.

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