A ORIGEM DAS FADAS 1


José Carlos Leal - Psicólogo junguiano e escritor


Como acontece com palavras muito antigas e de uso diversificado, a palavra fada oferece grandes dificuldades quanto a sua etimologia. Os pesquisadores de tendências clássicas procuram associá-la ao termo pher usado por Homero para designar os centauros. Outros de mesma tendência preferem derivá-la da sílaba final da palavra minha.

A palavra inglesa para fada é fairis. Acredita-se que esta palavra venha do persa peri. Ao que parece, os cruzados entraram em contato com este termo através do árabe, que, como se sabe, não possui a letra p, substituindo-se por f quando tem necessidade de grafá-la. Assim, em árabe, peri tornou-se feri, e deste modo veio para Europa, trazida pelos cavaleiros da cruz e peregrinos. Considera-se como apoio a esta interpretação o fato de a fada Morgana, tão celebrada no romance medieval, ser a mesma merjan peri muito conhecida nos contos populares do Oriente.

A palavra fada, tal como aparece nas línguas românticas faee, fee (francês), fada (português), hada (espanhol) e fata (italiano) têm a sua origem na palavra latina fatum (destino). No quarto século de nossa era, encontramos essas palavras usadas no plural feminino e equivalente a parcas (divindades relacionadas com o destino).

Na Idade Média, encontra-se o uso, em latim, do verbo fatare com o sentido de encantar. Este verbo foi adotado com o mesmo sentido pelo italiano, provençal, espanhol e português. Em nossa língua, usa-se o verbo fadar com o sentido de dar um destino bom ou mau; daí o adjetivo fadado para indicar uma pessoa marcada pelo destino.

É com esta idéia de trazer um destino que as fadas aparecem nos contos populares, como Bela Adormecida e Gata Borralheira (Cinderela). Assim, a palavra fada transita em uma espécie de região brumosa, envolta em mistério como os seres que ela designa.

Do ponto de vista animista, as fadas são, como os deuses e outros espíritos da natureza, produtos da imaginação popular que a tradição conserva e enriquece através da ação dos sedos e dos contadores de histórias em geral.

Em alguns lugares, as fadas são tidas como anjos caídos ou mortos sem batismo, mas não suficientemente maus para irem para o inferno e que se comprazem no mal. São temidos pelo perigo que representam para os homens.

Nas terras geladas, temos uma outra versão para o surgimento desses seres. Conforme essa versão, Eva, a nossa primeira mãe, estava banhando seus filhos nas águas do rio quando Deus falou com ela. Apavorada com a voz divina, ela escondeu os filhos que não havia lavado. Deus, então, perguntou-lhe se todos os seus filhos estavam ali. Ela respondeu que sim. Deus ouvindo isso, falou: Os filhos que escondeste de mim serão, também, escondidos dos homens. Foi desse modo que os filhos que Eva havia escondido se transformaram em elfos, gnomos e fadas.


O reino das fadas

Avalon é, provavelmente, o mais famoso reino das fadas da literatura ocidental. É descrito como um lugar maravilhoso onde vivem diversas fadas, entre elas destacando-se a figura ímpar de Morgana, a irmã do não menos lendário rei Arthur. Avalon parece ser uma ilha situada em qualquer lugar no meio do oceano e, assim, guarda profundas afinidades com a ilha de Ogigia ou com o reino da Circe, citados por Homero na Odisséia. Segundo algumas versões, Avalon possui uma espécie de bruma que a envolve, escondendo-a dos olhos humanos. Há, porém, outras versões que dizem ser Avalon uma ilha extremamente clara (Avalon, a branca), mas que não se revela facilmente aos olhos profanos.

Avalon é muitas vezes confundida com a ilha de vidro ou de ar. A referência a esses elementos vidro, ar, etc., diz respeito à necessidade de proteger esses lugares dos não iniciados. Há, inclusive, a idéia de que lugares como esses são cercados por muralhas de fogo, o que evita a aproximação daqueles que não são qualificados para entrar em contato com todos centros de energia.

O nome Avalon, entretanto, pode ser explicado a partir do cimérico afal, palavra que significa maçã. Assim, Avalon significaria ilha das maçãs. Essa versão lembra, na mitologia grega, a ilha das Hespérides (ilha para além do oceano), onde havia um jardim no qual estava plantada uma árvore cujos pomos eram de ouro. A conquista desses pomos consistiu-se em um dos trabalhos do famoso herói grego Hércules.

Em uma coisa, contudo, todas as tradições parecem concordar: Avalon é uma terra paradisíaca. Lá não há frios excessivos nem seca prolongada, reina sempre uma eterna primavera. Nessa ilha não se envelhece, não se adoece, não se morre. Todas as plantas crescem naturalmente sem a necessidade de se trabalhar a terra, e as árvores exibem frutos maduros e saborosos.

O lugar preferido pelas fadas, entretanto, são os montes. A palavra galesa para fada é sidhe, que significa povo das montanhas. À noite, no montes das fadas são vistos, muitas vezes, luzes cintilantes. Algumas vezes, nota-se sobre os montes uma procissão de fadas que se desloca de uma colina para outra. No topo dos montes das fadas, existe sempre um castelo visível apenas àqueles a quem as fadas, por razões especiais, permitem a visão. Quando as fadas desejam ocultar-se, por mais que se olhe, nada se verá sobre o monte. Não se pode, ainda que por descuido, invadir um local eleito pelas fadas para sua moradia. Aquele que, por exemplo, sem saber construir sua casa em um terreno habitado por fadas correrá grande risco, pois esses seres são capazes de mover as casas do lugar, derrubá-las e criar incríveis perturbações aos moradores incautos.


Mãos de fada

As fadas, muitas vezes, usam seus poderes para premiar os bons e castigar os maus. Mas, no que diz respeito ao caráter, se parecem muito com os seres humanos, e tanto podem ser más como boas. As más são frívolas, perversas, comprazendo-se em trazer perturbações para o homem. As boas mostram-se gentis, amigas e dispostas a colaborar com as pessoas com quem simpatizam. Em tempos imemoriais, porém, as fadas eram consideradas extremamente perigosas.

Na tradição não cristã, aplica-se o nome fada a todos os espíritos da natureza, incluindo enorme variedade de seres dos mais variados tipos e aspectos.

Em nossos contos de fadas, essas personagens, depuradas pelo cristianismo, aparecem com uma única e bem definida forma: são mulheres brancas, de feições finas, cabelos louros que caem em cascatas sobre seus ombros. Vestem vestidos belíssimos, bordados de ouro e de prata. Na cabeça usam chapéus em forma de cone, muito semelhantes aos da bruxa, o que acentua, naturalmente, o parentesco entre elas. Nas mãos trazem uma pequena vara (varinha de condão), com a qual executam as suas magias. A presença da varinha de condão é outra analogia entre as fadas e as bruxas, pois os feiticeiros também costumam usar certos tipos de varas, cajados etc. As fadas possuem extrema habilidade nos trabalhos manuais; daí a expressão para designar uma mulher muito hábil em trabalhos femininos: fulana tem mãos de fada.

As fadas dos cantos de encantamento são, em geral, muito boas, prestimosas, amigas dos homens e muitas vezes aceitam ser madrinhas das crianças comuns. As crianças amadrinhadas pelas fadas crescem acompanhadas por elas, que as auxiliam nos momentos difíceis de suas vidas. É interessante notar que, se as fadas aceitam ser madrinhas de uma criança, esse batizado não se faz nas igrejas. Isto porque a tradição cristã reconhece o caráter pagão desses seres, o que os torna incompatíveis com os cerimoniais da religião cristã.

Assim, são fadas: seres da natureza, brincalhões ou malévolos, mulheres maravilhosas, idealizações do feminino positivo mas, antes de qualquer coisa, mitos. É esta dimensão mitológica que as torna tão arraigadas na mente humana e persistentes nas tradições dos mais diversos povos. Desse modo, não é de se estranhar, portanto, que os contos de fada, apesar de sua antigüidade, continuem a resistir e a se impor como um tipo de narrativa sempre contada.

No cinema e nas histórias em quadrinhos, os contos de fadas retornam com novas energias e novo vigor, como uma fênix que renascesse das próprias cinzas. Este fato deve-se aos elementos arquetípicos presentes nos contos maravilhosos, elementos esses fundamente entranhados no inconsciente coletivo, parte essencial da bagagem psíquica do homem em sua viagem pelo planeta Terra. As fadas, os príncipes encantados, as bruxas, as terras maravilhosas, os reis, os gigantes são morfemas míticos básicos para a existência do homem, este animal criador de símbolos, de sonhos, de mitos e de ilusões.


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